Uniesp Guarulhos demite professores grevistas que reivindicavam salários atrasados

Por Rogerio Magno em 20/07/2021 às 10:18:01

Através do celular. Foi assim que a maioria dos professores grevistas do grupo educacional União Nacional das Instituições de Ensino Superior Privadas (Uniesp) de Guarulhos ficaram sabendo sobre a demissão.

Renata* aderiu à greve por causa dos constantes atrasos de salário, falta de estrutura e de materiais, superlotação de salas de aula e a situação de abandono da unidade estudantil em relação aos estudantes. Ela, que leciona na instituição há uma década, recebeu a notícia por ligação e em seguida já foi impedida de acessar o campus em que dava aulas.

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"Fomos surpreendidos com o desligamento de todos os professores grevistas antes mesmo do fechamento das nossas disciplinas", conta.

O Sindicato dos Professores e Professoras de Guarulhos (Sinpro/Guarulhos) denuncia sucessivas irregularidades por parte do grupo educacional, entre elas: congelamento de salários desde 2017 (a Uniesp não aplicou os reajustes alcançados em campanha salarial desde então), atraso nos pagamentos dos salários, atraso no pagamento das férias e falta de condições de trabalho - especialmente no curso de odontologia.

"Esta situação afeta diretamente as professoras e professores representados pelo Sinpro Guarulhos, mas é também a realidade vivida pelos demais trabalhadores técnico-administrativos. Muitas unidades da Uniesp encontram-se neste momento na mesma situação", explica Andrea Harada, presidenta do Sinpro Guarulhos.

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Como Renata, pelo menos outros dez professores passaram pelo mesmo. Ricardo*, professor da instituição há quatro anos, foi avisado do desligamento por e-mail. Durante a pandemia Ricardo arcou com os custos da estrutura para dar aulas remotas sozinho. Ele investiu em internet, roteador, mesa, iluminação e ainda precisou comprar outro computador, já que sua máquina pessoal não suportava as demandas do ensino à distância.

"A instituição pratica uma série de fraudes. Estamos com os nossos salários congelados desde, pelo menos, 2017. Além disso, não houve o pagamento das férias de 2020, do abono salarial e a quitação dos depósitos do FGTS", explicou o professor.

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A greve teve início no dia 14 de junho após frustradas tentativas de conciliação extrajudicial entre as partes. "O sindicato, por diversas vezes, tentou estabelecer uma rodada de negociação com a instituição. Sem sucesso. Infelizmente a negligência é uma marca do grupo Uniesp e os professores ficaram sem nenhum posicionamento oficial", explica Ricardo.

"Não houve nenhum tipo de comunicação. Houve uma série de rumores de fechamento da unidade. Todos os professores foram jogados à sua própria sorte em pleno período de pandemia. A instituição, além de cometer diversas fraudes, também descumpre a lei de greve, uma vez que os professores foram demitidos durante o período de paralisação das atividades por reivindicar melhores condições de trabalho", explicou o professor demitido.


Manifestação em solidariedade aos professores demitidos / Reprodução /Divulgação

Desde 1989 é assegurado por lei o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. De acordo com o artigo segundo, é legítima a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.

A lei, inclusive, assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação.

A greve continua em Guarulhos com os poucos docentes que permaneceram na instituição e também estava ocorrendo, antes das demissões, em outras unidades espalhadas pelo interior de São Paulo: Santa Bárbara d´Oeste e Ribeirão Preto. Em Guarulhos a adesão abrangeu quase a totalidade dos docentes.

Em nota reciclada do último dia 07, a Uniesp informou que "a Uniesp S/A não deixou de realizar os pagamentos cumprindo a sua obrigação para com os seus colaboradores", porém no mesmo documento assume que os salários não foram pagos. "Houve, como em muitas outras Instituições, atrasos de pagamentos, o que deverá ser normalizado em agosto de 2021, para tanto, medidas estão sendo tomadas".

Sobre a ilegalidade das demissões, a Uniesp S/A não respondeu aos questionamentos e se limitou a dizer que se tratavam de reajuste financeiro.

"Estamos perplexos. Estamos de greve. Exigimos respeito. Não podemos ser desligados por lutar por melhores condições de trabalho e, sobretudo, por exigir o cumprimento dos nossos direitos mais básicos e elementares, como o pagamento dos salários", desabafou Ricardo sobre os posicionamentos do grupo educacional.

Demissões ilegais durante a pandemia

Renata explica que a demissão ilegal impactou todo seu núcleo familiar. Os constantes atrasos de salário já geravam juros de contas pessoais que pesavam no orçamento, já que sem o pagamento era impossível quitar as dívidas dentro dos prazos.

Um estudo da Universidade de Oxford com dados do Banco Mundial mostrou que o Brasil lidera a lista de países onde os preços subiram mais depressa na pandemia. Em um ano, o quilo do arroz subiu quase 70%; o feijão preto, 51%; a batata, 47%; a carne, quase 30%; leite, 20%; e no óleo de soja a alta foi de 87%.

Com pais idosos, ela explica que a renda que comprometia com cuidados - fraldas e remédios - agora não existe mais. Ela está em busca de uma nova vaga no mercado de trabalho, mas teme que pelo período de pandemia e por sua idade não consiga se recolocar tão cedo.

Um parecer do Ministério Público do Trabalho de Guarulhos classificou a greve como justa. "Verifica-se que não há controvérsia a respeito do não pagamento das verbas salariais dos empregados da Suscitada e não foram contestados os graves fatos alegados pelo Suscitante".

"De toda forma, tratando-se de mora salarial confessada e considerando-se que a natureza do salário é eminentemente alimentar, a situação é particularmente grave, redundando em prejuízo substancial, o que legitima o movimento paredista. Os riscos da atividade econômica constituem encargo do empregador", diz o documento.

O Ministério Público do Trabalho se manifestou "pela declaração de não abusividade da greve, pagamento dos dias parados, pela homologação da proposta conciliatória do Juízo nos pontos que contam com o aval das partes e concessão de estabilidade aos empregados, nos termos do PN n. 36 da SDC do TRT-2. No mais, quanto ao não contemplado pela proposta do Juízo, pela procedência do presente dissídio, acolhendo-se os pedidos da exordial, consoante fundamentação".

Sindicato denuncia que grupo educacional ignorou negociações

"É importante destacar que na data em que as demissões começaram, dia 07 de julho, já tinha ocorrido audiência - no âmbito do Dissídio de Greve movido pelo Sinpro Guarulhos diante da falta de respostas à pauta apresentada – e a proposta de conciliação apresentada pelo juízo previa, entre outras condições, estabilidade de emprego por 30 dias e pagamento dos dias parados", pontua a presidenta do Sinpro Guarulhos.

Andrea Harada explica que a Uniesp "estava plenamente a par desta proposta e deliberadamente demitiu os trabalhadores".

"Outra questão importante de destacar é que estas demissões ocorreram em várias unidades e os arranjos que estão sendo propostos pela Uniesp para fechamento do semestre, uma vez que os professores estão em greve e não concluíram o fechamento do semestre, implicam em um aproveitamento oportunista da situação gerada pela pandemia que obrigou a utilização emergencial do ensino remoto".

O Sinpro Guarulhos desde 2012 tenta regularizar a situação nas unidades do município, além das ações regionais a Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp), representando os sindicatos associados, também empenhou tentativas de regularização, seja por meio de Foros Conciliatórios, instância prevista na Convenção Coletiva de Trabalho, seja por meio de audiências públicas.

Tanto no trato com os sindicatos, quanto com a Federação a postura da Uniesp foi a mesma: negligência diante dos problemas e indiferença a qualquer tentativa de diálogo.

"A Uniesp se insere no campo das instituições privadas de ensino superior que fazem das instituições um negócio e da educação uma mercadoria", denuncia Harada.

"Nesse sentido, a Uniesp viola direitos e descumpre obrigações de forma reiterada. Faz isso e alega compromisso social pelo baixo custo de suas mensalidades, argumento muito questionável, já que os abusos da Uniesp na operação do Fies, assim como na validação de diplomas é caso de investigação criminal e tratado como caso de polícia. Em outras palavras, o caso da Uniesp é previsível, porque as instâncias regulatórias e fiscalizadoras têm permitido a continuidade do funcionamento da instituição, mesmo sem a devida correção das irregularidades", finaliza a presidenta do sindicato.

A luta continua

As professoras e os professores da unidade de Guarulhos continuam mobilizados. Um ato solene em apoio à luta dos professores foi marcado para esta terça-feira (20), às 18h.

Na última semana, houve uma reunião entre professores, estudantes e funcionários no sentido de esclarecer a situação e, por meio do diálogo, pensar em saídas comuns.

Para o sindicato, "o caso da Uniesp é expressão de um problema que tem afetado dramaticamente os docentes do ensino superior: o sucateamento e a precarização das relações e condições de trabalho".

"A falta de qualquer regulação em relação ao uso de disciplinas e cursos na modalidade EaD, tem favorecido empresários do setor que utilizam esses recursos para enxugar custos, para manipular currículos e para minar reivindicações legítimas dos trabalhadores. A greve da Uniesp coloca em evidência todos estes problemas", encerra Harada.

*Nomes fictícios

Fonte: Brasil de Fato

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