MPF denuncia ex-secretĂĄrio adjunto de Natal e empresĂĄrio em operação que investiga compra de respiradores superfaturados

Por Rogério Magno em 10/10/2021 às 15:09:15
Órgão indica que empresa foi contratada ilegalmente e entregou produtos por preços acima do valor e com tempo de vida Ăștil jĂĄ ultrapassado, gerando R$ 1,4 milhão em prejuĂ­zos. Ventiladores pulmonares adquiridos pela Secretaria Municipal de SaĂșde de Natal

Divulgação/CGU

O Ministério PĂșblico Federal (MPF) apresentou denĂșncia contra o ex-secretĂĄrio adjunto de SaĂșde de Natal, VinĂ­cius Capuxu de Medeiros, e o empresĂĄrio Wender de SĂĄ. A denĂșncia do órgão é pelos crimes de peculato qualificado, dispensa ilegal de licitação e fraude à execução de contrato administrativo.

Os dois são investigados na Operação Rebotalho, que apura a compra superfaturada de respiradores pulmonares por parte da Secretaria de SaĂșde de Natal durante a pandemia da Covid.

VinĂ­cius Capuxu disse à Inter TV Cabugi que, orientado pelos advogados de defesa, não irĂĄ se manifestar sobre o assunto. A Inter TV Cabugi e o g1 não conseguiram contato com o empresĂĄrio Wender de SĂĄ.

De acordo com o MPF, os dois direcionaram ilegalmente a contratação da empresa para o fornecimento de 20 respiradores pulmonares usados ou seminovos, que destinados ao combate à pandemia da cCvid-19 na capital potiguar, por R$ 2,1 milhões.

A investigação do Ministério PĂșblico Federal aponta que os equipamentos, no entanto, se mostraram praticamente inservĂ­veis. Eles tinha mais tempo de fabricação e de uso do que a vida Ăștil, que é de 10 anos.

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Alguns equipamentos, segundo a investigação, nunca funcionaram, e muitos apresentaram caracterĂ­sticas suspeitas de serem clandestinos ou fruto de falsificação.

Mesmo assim, os preços pagos pela Secretaria Municipal de SaĂșde (SMS) estavam muito acima dos praticados no mercado, apontou o MPF.

Além da denĂșncia, o MPF ingressou com uma ação por improbidade, na qual os dois são réus, além de duas empresas - uma associada a Wander de SĂĄ, empresa que recebeu indiretamente parte dos valores pagos pelo contrato (R$ 1,268 milhão). Ao todo, o prejuĂ­zo ao Sistema Único de SaĂșde foi estimado em, pelo menos, R$ 1.433.340, segundo o MPF.

Crimes

Os dois envolvidos poderão responder pelos crimes de peculato qualificado e dispensa ilegal de licitação. O empresĂĄrio também por fraude à execução de contrato administrativo.

Na denĂșncia, o MPF requer ainda o ressarcimento dos danos, a perda de cargo, função pĂșblica ou mandato eletivo eventualmente exercidos pelos réus, bem como a perda ou suspensão temporĂĄria dos direitos polĂ­ticos.

JĂĄ a ação de improbidade pode resultar na condenação de ambos, bem como das empresas, ao ressarcimento do dano e à proibição de contratar com o poder pĂșblico, ou mesmo receber benefĂ­cios ou incentivos fiscais, entre outras sanções.

Para garantir o ressarcimento dos danos, o MPF pediu o sequestro de bens dos denunciados, mas só foram localizados menos de R$ 6 mil nas contas dos envolvidos. Um pedido complementar requer a indisponibilização de veĂ­culos e imóveis para assegurar o valor necessĂĄrio.

Operação foi deflagrada no dia 1 de julho

Kleber Teixeira/Inter TV Cabugi

Direcionamento

As duas ações do MPF apontam que a empresa foi escolhida por VinĂ­cius Capuxu antes mesmo de instaurado o procedimento de dispensa de licitação. A investigação do órgão indica que a proposta da empresa é de 11 de maio de 2020 - a dispensa foi autorizada trĂȘs dias depois, pelo próprio secretĂĄrio adjunto.

O MPF cita na denĂșncia que a assessoria jurĂ­dica da secretaria só se manifestou a favor da dispensa no dia 19 de maio do destacara necessidade de complementar a estimativa de preços, recomendação que nunca foi cumprida. O parecer foi acatado pelo secretĂĄrio adjunto no dia 21 de maio. Um dia antes, porém, ele jĂĄ havia assinado o termo de dispensa.

Segundo o Ministério PĂșblico Federal, em nenhum momento foi apresentada especificação técnica detalhada dos produtos que a secretaria pretendia adquirir, o que impediu a participação de outros concorrentes na licitação.

O projeto bĂĄsico simplificado foi elaborado a partir da proposta apresentada pela própria empresa e com valores estimados com base no preço oferecido por Wender de SĂĄ (R$ 2,16 milhões).

Além disso, as notas fiscais foram emitidas em 27 de maio, um dia antes do contrato ser assinado. Nesse mesmo dia, VinĂ­cius Capuxu se encontrou com Wender de SĂĄ na sede da empresa, no municĂ­pio de Aparecida de Goiânia (GO).

Outra empresa do ramo declarou, durante as investigações do MPF, que teria coberto qualquer oferta, mas não teve acesso ao modelo e às especificações dos aparelhos, nem mesmo após um pedido formal.

Falsificações

A investigação do MPF também indica que vĂĄrios dos equipamentos eram mercadorias de origem clandestina e com sinais de falsificação. Seis possuĂ­am nĂșmeros de série adulterados, não tendo sido reconhecidos como autĂȘnticos pela suposta fabricante, "o que constitui forte indicativo de que foram roubados, furtados ou de qualquer outro modo desviados de seu destino regular", cita a denĂșncia.

A empresa forneceu ainda aparelhos de outras marcas, que não foram mencionadas no procedimento de dispensa e nem no contrato, diz o MPF. Duas delas apontaram que os aparelhos vendidos à Prefeitura do Natal haviam sido comercializado anteriormente para outros hospitais, não havendo "qualquer dado que esclareça como tais produtos chegaram às mãos" da empresa, "o que leva a que se questione a própria licitude de sua aquisição para revenda".

De acordo com o Ministério PĂșblico Federal, em 26 de junho VinĂ­cius Capuxu recebeu mensagem eletrônica de uma das fabricantes, alertando que um dos ventiladores pulmonares fornecidos pela empresa continha etiqueta não original, entre outras irregularidades. O ex-secretĂĄrio adjunto, contudo, autorizou o pagamento dos equipamentos, sem tomar qualquer providĂȘncia para analisar a denĂșncia da fabricante.

ImprestĂĄveis

Os ventiladores eram extremamente antigos, com vida Ăștil bastante limitada. Segundo o MPF, constavam "bens que jĂĄ haviam se tornado imprestĂĄveis em decorrĂȘncia do longo tempo de uso e que foram remanufaturados, o que em momento algum foi objeto de expressa menção" na proposta da empresa.

Cinco desses respiradores, que foram encaminhados ao Hospital Municipal de Natal, chegaram a ser devolvidos à Secretaria Municipal de SaĂșde por serem inadequados para o tratamento de pacientes com Covid-19.

A direção hospitalar relatou, entre outros problemas nos equipamentos, a não aferição do estado da ventilação mecânica, a impossibilidade de reposição de peças e que um deles jĂĄ foi recebido com a carcaça quebrada. No documento de devolução, a direção destacou: "precisamos ter ventiladores mecânicos que não quebrem nem necessitem de manutenção com frequĂȘncia, pois podemos colocar os pacientes em risco de morte".

De acordo com a Controladoria-Geral da União (CGU), praticamente todos tinham mais de dez anos de fabricação e uso, considerado o limite de vida Ăștil. Dois deles jĂĄ haviam sido vendidos a um terceiro como "bens em desuso, sem funcionamento regular". Outro foi "desativado por descontinuidade", tendo sido entregue a depósito de materiais "obsoletos" da Secretaria Estadual de SaĂșde de Minas Gerais. A maioria passou a maior parte do tempo sofrendo reparos, com dificuldade até mesmo em se conseguir as peças de reposição.

Sobrepreço

A denĂșncia ainda apresenta que os respiradores foram comprados superfaturados. Enquanto cobrou da Prefeitura do Natal R$ 108 mil por cada respirador, a empresa havia vendido aparelhos semelhantes, entre março e abril daquele ano, por preços que variavam entre R$ 28 mil e R$ 60 mil.

Notas fiscais de devolução de dois dos equipamentos defeituosos entregues à SMS indicavam o valor de R$ 5 mil cada.

Na mesma época, a Secretaria Estadual de SaĂșde do RN adquiriu respiradores, novos, por R$ 107 mil cada e registrou, no portal da transparĂȘncia, o pagamento de ventiladores também novos - e de especificações técnicas superiores - por R$ 53 mil a unidade.

Para o MPF, "quem estava por trĂĄs de todo o procedimento era de fato o então secretĂĄrio adjunto". Um diĂĄlogo do secretĂĄrio de Natal, George Antunes, registrado na denĂșncia, que foi obtido através de quebra de sigilo, aponta isso, segundo o MPF:: "O pior, o pior (?) é que eu não queria comprar esse negócio, sabe? Foi aquele secretĂĄrio sdjunto que ficou insistindo nesse negócio".

Rebotalho

A operação foi deflagrada em 1Âș de julho deste ano e as investigações contaram com a quebra de sigilos fiscal, bancĂĄrio e telefônico dos suspeitos, além de interceptações telefônicas e do cumprimento de mandados de busca e apreensão, somados a relatórios da CGU.

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Fonte: G1

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