Comissão Interamericana de DH se reúne e ouve denúncia de ataque a povos originários no Brasil

Por Rogerio Magno em 23/10/2021 às 11:24:29

"Não se trata somente de lhes informar ou de lhes pedir ajuda. Mas de indagar a sociedade: quais medidas efetivas as instâncias internacionais, respeitando a soberania dos povos brasileiros, tomam para que parem de nos matar imediatamente?".

A pergunta foi feita por Cristiane Faustino, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, em audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizada nessa sexta-feira (22), em ambiente virtual.

Solicitado por organizações indígenas, quilombolas e ambientalistas para denunciar a escalada de perseguições e violência do Estado contra defensores de direitos humanos e do meio ambiente no Brasil, o evento contou com representantes da ONU, da sociedade civil e do governo brasileiro. A CIDH publicará um relatório com recomendações sobre o tema.

As denúncias foram apresentadas pela Plataforma Dhesca, Justiça Global, Rede Brasileira de Justiça Ambiental, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e Comissão Guarani Yvyrupa (CGY).

As entidades alegam que a gestão Bolsonaro não só não demarcou nenhuma Terra Indígena, cumprindo promessa feita em campanha, como tem solicitado a reanálise de processos demarcatórios.

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Com a pandemia, a reunião da Comissão foi realizada em ambiente virtual / Reprodução

No que diz respeito aos processos de titulação de territórios quilombolas pelo Incra, os movimentos denunciam uma diminuição vertiginosa. Em 2020, houve uma queda de 69% em relação a 2019 que, por sua vez, já havia registrado diminuição de 71% em comparação com 2018.

De acordo com o relatório da Global Witness, o Brasil figura entre os países mais perigosos para defensores ambientais. Em 2019, o número de ocorrências de conflitos por terra foi o maior registrado desde 1985, com uma elevação em 57,6% em relação ao ano anterior.

"Sofri seis ataques a tiros": mortes, prisão e delimitação anulada em terra Avá Guarani

Ilson Soares Karaí Okaju é liderança do Tekoha Y"hovy, uma das 14 aldeias que compõem a Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá, localizada nos municípios paranaenses de Guaíra e Terra Roxa. "As violências contra meu povo raramente são investigadas", disse o membro da CGY ao órgão internacional. "Desde o início de 2020 sofri seis ataques a tiros e inúmeras ameaças", relatou.

Em 2020, o juiz federal Gustavo Chies Cignachi, atendendo a um pedido da prefeitura de Guaíra, decidiu anular o Relatório de Identificação e Delimitação da TI Guasu Guavirá com base no Marco Temporal. A FUNAI não recorreu da decisão e anulou o estudo de identificação. Desde então, os conflitos na região se acirraram.

"Nosso território é constantemente atacado por empresas e pessoas do agronegócio", afirmou Okaju, ao denunciar a formação de milícias e seguranças particulares contra os indígenas.

Entre os casos relatados por Ilson Okaju, estão: um ataque com um tiro pelas costas contra uma jovem liderança que ficou paraplégica em novembro de 2018; o assassinato a pauladas de Demilson Ovelar, de 28 anos, em 2019; ataque a facadas que feriu Lairton Vaz, Everton Ortiz, Felix Benites e matou Virgínio Benites em março de 2019.

Em 2020, relatou Okaju, "o Cacique Crídio Medina, da TI Tekoha Guasu Guavirá, da aldeia Ywyraty Porã (PR), foi preso ilegalmente pela polícia civil". Segundo ele:

O cacique ficou detido por três dias, acusado de acobertar suposto crime cometido pelas crianças da aldeia, que teriam recolhido espigas de milho não aproveitadas pela colheitadeira de uma fazenda ao lado do Tekoha.

Ilson contou, ainda, que somente em 2021 houve nove suicídios e 19 tentativas de tirar a própria vida por parte de indígenas de seu povo.

"Sem tréguas, em plena pandemia o Congresso propôs novos e retomou antigos projetos de morte", expôs. E questionou: "Por que a vida dos Avá Guarani não vale nada para as autoridades brasileiras?

Criminalização de lideranças do Quilombo Santa Rosa dos Pretos

"A gente vive na agonia há mais de 500 anos", declarou a quilombola Anacleta Pires da Silva. Os conflitos agrários no seu território, o Quilombo Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim (MA), aumentaram desde que em 2021 houve a duplicação da BR-135.

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Em abril, ela e outras duas lideranças - Elias Pires Belfort e Joércio Pires da Silva - foram intimiadas a comparecer à Delegacia Regional de Polícia Civil. Haviam sido denunciadas pelo dono de uma fazenda que se instalou dentro do território quilombola, acusados de supostamente terem destruído uma ponte.

A fazenda está entre outras que foram desapropriadas em 2015, por meio de decreto presidencial, para fins de titulação do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos.

"Lutar pelos direitos humanos e pela natureza é ter a sua vida perseguida", ressaltou Anacleta: "Estamos sendo criminalizados mais uma vez".

Na visão do Estado brasileiro, há proteção e diálogo com ativistas

Apresentando uma versão bastante diferente da realidade narrada por ativistas, o coordenador-geral do Programa de Proteção à Testemunha e Defensores de Direitos Humanos do governo federal, Douglas Sampaio, fez uma das falas em nome do Estado brasileiro.

Para proteger defensores de direitos humanos, "há de forma contínua articulação com os órgãos de sistema de justiça, parlamento, sistema de segurança e sociedade civil", disse Sampaio. "A União e os Estados investiram desde 2019 até 2021 cerca de R$46 milhões na manutenção e operacionalização das medidas protetivas", afirmou.

Álvaro Osório, procurador chefe da FUNAI, disse que "a única verdade sobre o tema" da TI Guasu Guavirá é que tratou-se "de dar execução da sentença judicial".

"No que se refere ao Projeto de Lei 191, que estabelece mineração em terras indígenas, não se pode olvidar que a Constituição Federal da República estabelece que a mineração em terras indígenas é possível", disse o procurador da FUNAI.

Em contraposição às falas dos representantes do Estado, Ilson Okaju afirmou que a sentença judicial referida "não transitou em julgado e portanto está em grau de recurso". Salientou, ainda, que a FUNAI e o governo federal têm "declarados interesses anti-indígenas".

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Antônio Neto, da Justiça Global e da Plataforma Dhesca, definiu o cenário descrito pelos representantes do governo como uma "realidade paralela": "Se fosse verdade, o Brasil não seria o terceiro país mais perigoso do mundo para defensores de direitos humanos".

"O representante falou que o programa [de Proteção à Testemunha e Defensores de Direitos Humanos ] está com bastante orçamento. Mas ele não fala que o próprio Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos está sendo investigado pelo MPF [Ministério Público Federal] por executar só 44% do seu orçamento", expôs Neto.

Órgãos internacionais expressam preocupação com situação brasileira

Jan Jarab, representante da ONU na audiência pública, e todos comissionados da CIDH expressaram solidariedade com as organizações sociais presentes e preocupação com o risco que significa defender o meio ambiente e os direitos humanos no Brasil.

Relatora do CIDH, Soledad García Muñoz, destacou, além do marco temporal, cinco Projetos de Lei (PL) no Congresso Nacional que representam riscos de incremento das violações aos direitos humanos no país.

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"São os PLs 490/2007, que restringe a demarcação das terras indígenas; o 191/2020 que libera a mineração em terras indígenas; 3729/2004, que flexibiliza ou extingue a licença ambiental para obras e empresas; 510/2021, que permite a titulação de áreas consideradas latifúndios", elencou Muñoz.

Fonte: Brasil de Fato

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