"Sem luxo, mas com amor": mulher abriga pessoas em situação de rua em sua própria casa no RN

Por Rogério Magno em 09/11/2021 às 17:40:30

Quem passa pela casa amarela e verde no bairro de Cidade Alta, em Natal, não imagina o tanto de história que ela carrega. O imóvel, no centro histórico da capital potiguar, é o lar de mais de 20 pessoas em situação de rua, que encontram acolhimento ali. A matéria é do jornalista Valcidney Soares, da Ecoa Uol.

A responsável pela iniciativa é Maria Aparecida Cândido de Lima, a Cida. Aos 52 anos, ela sempre gostou de ajudar pessoas e já recolhia e distribuía doações de alimentos ao lado do marido. Mas sentia que faltava algo. "Eu tinha o sonho de fazer alguma coisa a mais. Sempre quis arranjar uma casa para eles poderem tomar banho, morar e dormir", conta.

Há 5 meses, ela decidiu realizar esse sonho. Saiu da casa antiga em que morava e alugou outra muito maior, com 10 quartos e 3 banheiros, para poder comportar mais pessoas. "É uma casa simples. Não tem luxo, mas tem amor", garante.

"Pra gente, o passado não interessa"

Além de Cida, seu marido e a filha, cerca de 20 pessoas dormem diariamente no lar coletivo. Há ainda outra dezena que não fixa moradia. O espaço, além de abrigo, é lugar de escuta – sem julgamentos. "Pra gente, o passado não interessa. Interessa o presente", sentencia ela.

Se para muita gente a ideia de receber estranhos em casa é motivo de receio, Cida é enfática ao afirmar que esse sentimento nunca existiu. "Quase todo mundo me faz essa pergunta [sobre o medo], mas no dia a dia a gente vai conhecendo e sabendo quem é quem. E aqui eles me respeitam, me chamam de "mãe Cida'", diz.

Porém, com tantas pessoas no mesmo espaço, é preciso haver regras. É proibido fumar e beber lá dentro, e o horário máximo de entrada é por volta das 22h.

Para Cida, uma das dificuldades recentes é a alta no preço dos alimentos. Para alimentar tantas pessoas é preciso que a despensa esteja sempre cheia, e para isso o casal conta com a ajuda de doações e parcerias com outros projetos sociais. "É difícil querer ajudar alguém e na hora H não ter. Antes eu tinha meu dinheiro, mas estou desempregada, e aqui só quem aguenta [os custos] é meu esposo", afirma.

A estrela do Enem

Mário Batista da Cruz Júnior é um sujeito magro, alto, com bigode grande e cavanhaque exuberante. Aos 39 anos, virou capa de jornal em 2017, quando foi aprovado em 2º lugar no curso de Administração da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) mesmo estando em situação de rua. Hoje, depois de ter deixado o curso, é um dos abrigados por Cida Lima.

"Eu fui incentivado por um padre de Parnamirim (cidade da região metropolitana), porque ficaria mais fácil conseguir emprego e com isso mudar a minha situação", diz. Estudando em bibliotecas e com a ajuda de amigos, Mário concretizou o desejo de entrar na principal universidade do Rio Grande do Norte.

Por outro lado, não conseguiu terminar os estudos. Ele obteve um auxílio transporte no valor de 100 reais e o acesso ao Restaurante Universitário, mas precisava de mais. "Queria a residência universitária e a bolsa de apoio técnico [de 400 reais para trabalhar em algum setor da instituição], só que não me foi dado isso, e eu fui até o 3º período e tranquei. Não consegui", lamenta.

O único momento em que o ex-estudante perde a eloquência é quando lhe perguntam como chegou às ruas. Ele respira e pensa. "Os dois grandes motivos que levam uma pessoa a ir pra rua é família desestruturada e problemas psiquiátricos. Muitas vezes a junção leva as pessoas ao uso de substâncias, como álcool e drogas", analisa Mário, que tem Transtorno de Personalidade Borderline.

Porém, o homem que hoje trabalha como ambulante, vendendo balas, não perde a fé de um dia retornar às salas de aula. "Foi uma luta gigantesca para conseguir essa aprovação."

Da desilusão à carteira assinada

Marcelo Santos de Oliveira, 27, chegou a Natal vindo de Salvador (BA) com uma promessa de emprego. O serviço, entretanto, nunca veio e ele passou quase dois meses sem teto.

Indicado para procurar Cida, conseguiu se reestruturar. "Chegando aqui, consegui dormir legal, comer, tomar banho, me trataram bem. E agora até um emprego arrumaram pra mim", diz. O novo local de trabalho, que ele começou na última segunda-feira (25), não é novidade: "Fica num lugar na frente de onde eu dormia", alegra-se.

O novo auxiliar de serviços gerais, que teve até pertences roubados enquanto vivia nas ruas, hoje é esperança. "Aqui a gente está em casa. Nem se compara com outro canto. Não é todo mundo que faz isso, de abrir as portas da casa".

Cida precisa de materiais como beliches, armário e fogão, além de itens da cesta básica. Para entrar em contato: (84) 98713-6833.

Fonte: Portal Agora RN

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