Guerra e miséria: entenda por que milhares abandonam a República Democrática do Congo, terra do jovem Moïse Kabagambe, assassinado no Rio

Por Rogerio Magno em 02/02/2022 às 19:06:45
Segundo maior país da África e um dos mais pobres do mundo, RDC enfrentou guerra civil até 2003, mas continua sendo palco de violentos confrontos entre diferentes etnias e disputas por recursos naturais. Com mais de 5 milhões de deslocados, país está no nível mais alto de emergência em termos de urgência da ajuda da ONU. Moïse Kabagambe, morto após cobrar diárias atrasadas em um quiosque na Barra da Tijuca

Facebook/Reprodução

Segundo maior país do continente africano e um dos mais pobres do mundo, a República Democrática do Congo (RDC), onde nasceu Moïse Mugenyi Kabagambe – o jovem espancado até a morte no Rio de Janeiro –, é palco de conflitos praticamente desde que foi criada.

É importante distinguir o país, cuja capital é Kinshasa e que até 1997 era chamado de República do Zaire, de seu vizinho, a bem menor República do Congo, que tem como capital Brazzaville.

Assolada por uma guerra civil encerrada em 2003 (leia mais abaixo), a RDC tem uma das situações humanitárias mais desafiadoras do mundo atualmente, segundo a Agência da ONU para Refugiados (Acnur).

Moradores se reúnem ao redor de funcionários do Médicos Sem Fronteiras em Goma, na República Democrática do Congo, para segunda rodada de vacinação contra o ebola em novembro de 2019.

Fiston Mahamba/Reuters

Setores do país são considerados pela ONU uma emergência de nível 3, o mais alto em termos de urgência de necessidade de ajuda. Atualmente, a missão da ONU no país é comandada por um brasileiro, o General Marcos de Sá Affonso da Costa.

Apenas entre os anos de 2017 e 2019, mais de 5 milhões de pessoas se deslocaram internamente no país, sem contar as centenas de milhares, que fugiram para nações vizinhas, como Angola e Zâmbia, principalmente.

A situação é especialmente preocupante na região de Kasai, onde estão mais de 896 mil pessoas deslocadas. Muitas retornaram para lá após o fim da guerra civil e encontraram suas propriedades completamente destruídas e nenhum parente vivo.

Refugiados do Sudão do Sul que buscaram abrigo em Kendrio, território de Aru, província de Ituri, República Democrática do Congo

MONUSCO/Anne Herrmann

Apenas em países africanos, são mais de 918 mil congoleses refugiados e solicitantes de asilo.

Paradoxalmente, a República Democrática do Congo ainda recebe refugiados, apesar de sua situação crítica. Também de acordo com a Acnur, há mais de meio milhão de pessoas vindas de Burundi, República Centro-Africana e Sudão do Sul buscando refúgio ali, simplesmente por não terem mais para onde ir.

No Brasil

De acordo com relatório do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, em 2020, 113 pessoas da República Democrática do Congo deram entrada no processo de reconhecimento como refugiado, no país. O relatório mostra que 28 pedidos foram deferidos, 39 indeferidos e 34 processos foram extintos.

Entre 2011 e 2020, ainda segundo o Conare, das 26.577 pessoas que foram reconhecidas como refugiadas, 1.050 eram nascidas ou residentes na República Democrática do Congo.

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Nos registros da ONG Cáritas, Moïse Kabagambe chegou ao Brasil em 2011, aos 14 anos. Segundo a coordenadora da organização, Moïse era o irmão do meio da família que, junto com o mais velho e o caçula, saíram de avião da República Democrática do Congo e pousaram em solo brasileiro.

A mãe de Moïse, Lotsove Lolo Lavy Ivone, explica que eles são da etnia Hema, envolvida em uma guerra tribal civil com os Lendu, na região de Ituri.

O confronto entre os dois grupos, predominantemente pastores e agricultores, respectivamente, do nordeste do país, teve um período de maior intensidade durante a guerra civil, mas episódios violentos de conflito armado perduram ainda hoje.

Moradores de Rumu, no território de Aru, na província de Ituri, na República Democrática do Congo, retiram água de poço construído pela Missão da ONU

MONUSCO/Anne Herrmann

Guerra civil

Os violentos conflitos na RDC, que atingem principalmente civis, vítimas de agressões armadas, saques, ataques sexuais e assassinatos, tem como origem rivalidades étnicas e brigas por recursos naturais, já que o país, apesar de sua pobreza econômica, é fértil em recursos minerais, com minas de diamantes, cobre, cobalto, ouro e nióbio.

De acordo com a ONU, rebeldes hutus do país vizinho Ruanda, responsáveis por um genocídio em 1994 que matou aproximadamente 800 mil tutsis e hutus moderados, cruzaram a fronteira e se refugiaram na RDC.

Em 1997, Mobutu Sese Seko, presidente desde 1965, foi forçado a se exilar, e o líder rebelde Laurent D. Kabila passou a ocupar o cargo.

Kabila, por sua vez, se dissociou de seus patrocinadores de Ruanda, que passaram a apoiar outra rebelião, dessa vez contra o próprio Kabila. A região inteira se envolveu no conflito, o que provocou uma guerra civil.

De um lado, estavam o governo da RDC, Angola, Zimbábue e Namíbia. Do outro, os rebeldes da RDC, apoiados por Uganda, Ruanda e Burundi. O confronto ficou conhecido como a “Guerra Mundial da África”.

Kabila foi assassinado em 2001 por seu guarda-costas, e seu filho, Joseph Kabila, assumiu a presidência da RDC em seu lugar.

O presidente do Congo, Felix Tshisekedi, durante sua posse, em março deste ano.

Olivia Acland/Reuters

Transição de poder

A primeira transição de poder civilizada da história da República Democrática do Congo só aconteceria em janeiro de 2019, quando Félix Tshisekedi tomou posse como presidente, após vencer eleições marcadas por caos, ameaças e urnas incendiadas no final do ano anterior – e com resultado contestado por Joseph Kabila.

A violência, porém, continua. Nesta quarta-feira (2), pelo menos 60 pessoas foram mortas em um ataque de milícia a um acampamento de deslocados no leste do país, segundo o chefe de um grupo humanitário local e uma testemunha, citados pela agência Reuters.

Ambas as fontes disseram à Reuters que a milícia Codeco foi responsável pelos assassinatos, que ocorreram no acampamento de Savo, na província de Ituri.

Combatentes do Codeco mataram centenas de civis em Ituri nos últimos anos e forçaram milhares a fugir de suas casas, segundo a ONU. Ataques recentes também atingiram acampamentos de deslocados.

Fonte: G1

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