Por que Peru tentou tirar um presidente do cargo pela 5ª vez em cinco anos

Por Rogerio Magno em 29/03/2022 às 16:00:06
Presidente peruano Pedro Castillo sobreviveu à segunda tentativa de impeachment em apenas oito meses de mandato. Presidente peruano Pedro Castillo sobreviveu à segunda tentativa de impeachment em apenas oito meses de mandato

AFP/Via BBC

Nesta segunda-feira (28), quando completava apenas oito meses de mandato, o presidente peruano Pedro Castillo compareceu ao Congresso Nacional para defender sua Presidência e tentar evitar uma saída antecipada do cargo.

"A luta que tenho agora não é pelo apego ao poder, que é temporal, por um período constitucional de cinco anos. Minha luta é para servir ao país e para que a crise institucional seja superada", disse Castillo diante dos congressistas.

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Com a faixa presidencial e sem o chapéu que o caracterizou durante a campanha eleitoral e os primeiros meses de governo, o ex-professor de escolas rurais do norte peruano, chegou ao Parlamento com sua equipe ministerial, na busca por sinalizar fortaleza e apoio políticos.

Esta é a segunda vez que congressistas da oposição apresentam o pedido para que Castillo seja retirado da cadeira presidencial. Para que o pedido de "vacancia" (impeachment) fosse aprovado eram necessários 87 dos 130 votos dos legisladores.

"Desde que fui eleito, a 'vacancia' passou a ser o centro (da política peruana). Isso não pode continuar. Não existem bases jurídicas para isso e tampouco provas contra mim", disse o presidente.

Após cinco horas de debates, a votação, na madrugada desta terça-feira, terminou com o placar de 55 parlamentares votando a favor do impeachment, 54 votando contra e 19 abstenções. Com isso, Castillo sobreviveu à segunda tentativa de tirá-lo do cargo.

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O analista peruano Carlos Aquino, professor da Universidade San Marcos, disse à BBC News Brasil, que a perspectiva é de que a "instabilidade política continue", independentemente do resultado da votação.

"Os confrontos entre o Executivo e o Legislativo têm sido frequentes", disse, referindo-se à gestão atual.

Nesta terça-feira, o governo peruano tem outro desafio: a paralisação do setor de transportes de carga contra o aumento dos combustíveis. Neste primeiro dia de greve por tempo indeterminado, várias estradas tinham sido bloqueadas, incrementando os desafios políticos e econômicos no país.

'Incapacidade moral'

Na segunda-feira, na longa sessão de debates sobre a destituição de Castillo, no Congresso, que é unicameral, os parlamentares opositores voltaram a acusá-lo de "incapacidade moral permanente" — prevista na Constituição e uma forma de definir a falta de condições éticas para um líder governar e que, no século 19, segundo historiadores, era chamada de "incapacidade mental permanente".

Este mesmo argumento levou à saída de dois presidentes peruanos.

Há menos de dois anos, em novembro de 2020, o então presidente Martín Vizcarra foi destituído do cargo, no segundo processo de "vacancia". No primeiro, a oposição não tinha conseguido os votos necessários para seu impeachment.

Como Castillo, ele também foi acusado de "incapacidade moral permanente", sob acusações de atos de corrupção, que ele negou.

Na sexta-feira passada (25), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) questionou o uso seguido da "incapacidade moral permanente" para a destituição presidencial e integrantes da Organização de Estados Americanos (OEA) assistiam o debate no Congresso, a pedido do governo e contra a vontade da oposição.

Saga de presidentes

O presidente é o quinto do país em cinco anos. A saga de presidentes peruanos, que não concluem o mandato ou que foram presos após a conclusão do mandato, acusados de irregularidades, levou a imprensa peruana a colocar especial atenção nos candidatos a vice nas chapas que disputaram as últimas eleições presidenciais, como informou a agência estatal argentina de notícias Télam, antes do segundo turno em junho passado.

"Os candidatos a vice-presidente são chave na instável política peruana", noticiou.

Vizcarra era vice-presidente quando assumiu a Presidência. Seu sucessor, Mario Merino, que era o presidente do Congresso e estava na linha de sucessão, durou apenas cinco dias na Presidência e renunciou diante de fortes protestos.

Antes de Vizcarra, o então presidente Pedro Pablo Kuczynki, conhecido como PPK, renunciou ao cargo, em meio a denúncias de corrupção e vínculos com a empresa Odebrecht. Atualmente, ele cumpre prisão domiciliar. Na época da sua prisão, ele disse que se tratava de uma "arbitrariedade".

PPK cumpriu apenas dois anos (2016-2018) dos cinco anos de mandato. Vizcarra foi presidente também por dois anos (2018-2020). Os presidentes anteriores concluíram os mandatos, mas tiveram problemas com a Justiça: Alberto Fujimori (1990-2000), Alejandro Toledo (2001-2006) e Alan García (2006-2011) — que se suicidou em meio à denúncias de que teria recebido subornos.

Reformas ministeriais

Castillo foi eleito no segundo turno da eleição presidencial, mas sua eleição só foi confirmada após contagem voto a voto, disputas judiciais e protestos da oposição liderada por sua opositora Keiko Fujimori.

Na noite de segunda-feira (28/3), na sessão para sua destituição no Congresso, seus apoiadores afirmaram que a oposição ainda hoje acusa a eleição de "fraudulenta", o que não seria certo, disseram.

O advogado do presidente, José Palomino Manchego, argumentou na tribuna da casa que as vinte acusações contra Castillo eram infundadas.

Ele chamou de "mito" as denúncias de que Castillo governa com assessores paralelos, que teria defendido que o Peru conceda à Bolívia saída ao mar (tema sensível no Peru, no Chile e na Bolívia desde a Guerra do Pacífico, no século dezenove).

"Em nenhum momento, o presidente pensou em reduzir o território peruano e em cometer traição à pátria. Além disso, se não existe condenação (pelos atos de Castillo), não existem delitos", disse o advogado.

Numa das falas, um parlamentar governista disse, porém, que o presidente citou a possibilidade de convocar um plebiscito, durante entrevista à imprensa mexicana, para saber se os peruanos permitiriam este acesso à Bolívia.

A política peruana tem sido marcada pela fragmentação política e partidária e do "distanciamento" e "desinteresse", segundo analistas, dos debates políticos.

Para governar, com estabilidade política, dizem, o presidente precisaria conversar com os vários setores políticos, o que, segundo Aquino e outros analistas, não estaria ocorrendo na gestão atual e não teria ocorrido nas gestões recentes.

Nos discursos, de poucos minutos para cada parlamentar, o governista Waldemar José Cerrón Díaz, do Perú Libre, disse que as denúncias contra Castillo eram "montadas" e que os que defendem a "vacancia" querem "parar o país".

Já o opositor Hernando Guerra García, da opositora Fuerza Popular, disse que defendia o argumento de "incapacidade moral e permanente" porque Castillo teria mostrado que é "incapaz de governar".

Uma parlamentar governista disse que, enquanto eles discutiam, novamente, a saída do presidente, os peruanos estavam preocupados com o aumento nos preços dos alimentos e as sequelas deixadas pela pandemia do coronavírus, com mais de 200 mil mortes num país de 32,9 milhões de habitantes.

Sobrinhos

Em seus argumentos na defesa do impeachment, a oposição apontou para as trinta mudanças de ministros nas várias reformas ministeriais, em apenas oito meses de mandato Castillo.

A parlamentar opositora Patricia Rosa Chirinos Venegas, do Avanza País, acusou o presidente de corrupção e citou seus sobrinhos — acusados de tráfico de influência, de serem parte de um "gabinete paralelo" e de entradas seguidas no Palácio presidencial. "Para o bem do país, o presidente deve renunciar", disse.

Na segunda-feira, segundo o jornal Gestión, de Lima, o Poder Judicial determinou, a pedido do Ministério Público, a prisão de onze pessoas, incluindo dois sobrinhos do presidente (Fray Vázquez Castillo e Gianmarco Castillo Gómez) e o secretário geral da Presidência, Bruno Pacheco. Eles foram citados na investigação sobre irregularidades em uma obra pública.

A parlamentar Hilda Marleny Portero, da Acción Popular, criticou o presidente por querer dividir os peruanos com seus discursos frequentes, disse, sobre ricos e pobres, e afirmou, no entanto, que as denúncias ainda estão sendo investigadas.

Tradicionalmente, logo após assumir, os presidentes perdem rapidamente o apoio popular que conquistaram nas urnas.

No Peru, existem vários argumentos para essa conjuntura. Um deles é que, apesar do crescimento econômico (até antes da pandemia) a expansão não gerou a inclusão social no mesmo ritmo e os trabalhadores informais representam mais de 60% da população.

Durante a pandemia do coronavírus, cenas como a falta de oxigênio nos hospitais do país, que provocaram filas para a compra de cilindros no mercado paralelo, evidenciaram os problemas sociais e a desigualdade no país.

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Fonte: G1

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