Prêmio Nobel da Paz Ramos Horta volta à presidência da República no Timor Leste

Por Rogerio Magno em 20/04/2022 às 15:39:17
Horta assume o cargo uma década depois de ter deixado a presidência da República, cargo que ocupou entre 2007 e 2012. José Ramos Horta mostra dedo com tinta após votar, em 19 de abril de 2022

Lirio da Fonseca/Reuters

O ex-presidente e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1996, José Ramos Horta, venceu as eleições presidenciais no Timor Leste na terça-feira (19). A posse está marcada para o dia 20 de maio, data do 20° aniversário da independência do país. Em entrevista à RFI, ele conta que decidiu voltar à política após a insistência dos timorenses para que usasse sua experiência diante da situação difícil do país asiático lusófono.

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Ramos Horta obteve 62,09% dos votos, contra 37,91% para o presidente em fim de mandato, Francisco Guterres "Lu Olo", no segundo turno da eleição. Horta assume o cargo uma década depois de ter deixado a presidência da República, cargo que ocupou entre 2007 e 2012.

Veja abaixo uma reportagem de 2018 sobre o Timor Leste.

Timor-Leste enfrenta desafios econômicos e sociais

A partir de 2013, José Ramos Horta assumiu diferentes funções, como a de representante do secretário-geral das Nações Unidas na Guiné-Bissau. Antigo chefe da diplomacia e ex-primeiro-ministro, Ramos Horta alega que só a insistência da população o convenceu a voltar a disputar uma eleição.

“Nunca esteve nos meus planos de vida voltar à presidência ou a qualquer função oficial pública timorense. Eu deixei a presidência em 2012 e assumi várias funções internacionais, com as Nações Unidas, com think tanks, e outras iniciativas acadêmicas”, explica Ramos Horta.

Ele conta que esteve “ocupado com funções estimulantes”, mas retorna perante a situação vivida em Timor, desde 2017. O presidente eleito destaca “a degradação da vida constitucional e da vida política, degradação da situação social, dada a crise política e a pandemia”, em relação à qual “o governo não teve capacidade de resposta para debelar as consequências na situação econômica do país”.

“Com o PIB afundando 8% e perante os pedidos de centenas de timorenses ao longo de dois anos, aceitei o desafio que para mim é uma honra, um privilégio”, afirmou Ramos Horta à RFI. “Nada é mais importante para mim na vida, no mundo, do que servir este povo magnífico do meu país”, acrescentou.

A seguir, acompanhe a íntegra da entrevista.

RFI: O senhor vai tomar posse na comemoração dos vinte anos da independência do Timor Leste. Imagino que seja, também, uma data muito simbólica para alguém como o senhor, que durante muitos anos foi a face visível da luta do Timor pela emancipação.

Ramos Horta: Sim, é altamente simbólico: 20 anos! Faremos o balanço desse período. Creio que ele é relativamente positivo. Embora haja sempre críticos que apontam apenas para o que não foi feito, ou o que foi mal feito. Mas o país teve enormes progressos nesses vinte anos. Por exemplo, na vida política e democrática. O Timor é reconhecido pelo Freedom House, em Washington, como a melhor democracia no sudeste asiático. Eu diria uma das melhores em toda a Ásia. E isso numa região do mundo em que há ameaças às democracias. Timor Leste é um exemplo vivo de uma democracia ainda bem viva, bem vibrante.

Na área econômica e social, com exceção desses últimos três anos, o país cresceu. Em 2002, a expectativa de vida era de menos de 60 anos. Hoje, anda por volta dos 70, 71 anos de idade.

Ainda temos graves problemas sociais. Temos muita pobreza, subnutrição infantil, mas nem tudo pode ser feito em vinte anos. Mas houve grandes sucessos, como por exemplo na infraestrutura: foram construídas estradas em muitas partes do país, a eletrificação agora chega a 80% do território.

Em 2002, o número de médicos era de vinte. Hoje temos 1.200 médicos. Em cada aldeia há um médico e uma enfermeira ou um enfermeiro. Hoje temos mais de dez universidades, enquanto em 2002 existia apenas uma com 2.000 estudantes. Hoje temos 47.000 mil estudantes universitários. Portanto, há progressos notáveis para os que dizem não houve melhorias e que devem viver em algum outro planeta, menos no Timor Leste.

RFI: Mas há receios sobre a estabilidade política. Quando presidente, o senhor já havia dito que tinha a sua mão estendida à FRETILIN (Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente). Em relação às ameaças que podem pairar sobre a estabilidade do país, o que o senhor tem a dizer sobre a forma como pretende debater com os partidos políticos?

Ramos Horta: Sou um homem de diálogo, com vista a encontrar soluções para os desafios e problemas que às vezes parecem insolúveis. Muitas vezes as paixões e os ânimos aparecem extremados.

Trabalhei nisto no meu país durante a crise de 2006/2007. Fui um dos autores centrais da pacificação da crise e trabalhei na Guiné-Bissau e em muitas outras situações, incluindo a Colômbia, onde negociei, há muitos anos atrás, a libertação de reféns.

Portanto, sei o que é a resolução de conflitos, sei o que é construir pontes e a situação atual de hoje no Timor não é comparada à situação da crise de 2006.

A crise é crise política, crise da nossa democracia. Quando optamos pela democracia, o multipartidarismo, às vezes o resultado é este: confronto de ideias. Muitas vezes, nem é confronto de ideias, mas de personalidades e de egos. A vida é assim. Temos de lidar também com isto.

RFI: O chefe de Estado que deixa o cargo já lhe ligou para dar os parabéns?

Ramos Horta: Ainda não, mas já temos encontro oficial marcado entre as duas equipes para falarmos da transição. O contato já foi feito pela Presidência com a minha equipe para um encontro com o presidente Francisco Guterres Lú Olo.

RFI: Para o senhor que já foi presidente, diplomata e jornalista, as questões de relações internacionais tem um papel preponderante? O Timor Leste tem apostado numa adesão à ASEAN (Associação das nações do sudeste asiático). Acha que esse assunto é prioritário e poderá vir a ser relançado?

Ramos Horta: É absolutamente prioritário e tem progredido ao longo desses anos. Cumprimos com as chamadas metas ou critérios de adesão com muito sucesso e com felicitações por parte dos países da ASEAN. Há um consenso sólido e a adesão à ASEAN é para breve. Portanto, eu vou assumir a responsabilidade de coordenar esta última etapa da nossa adesão à ASEAN.

RFI: Quais as consequências da invasão russa à Ucrânia para o Timor Leste?

Ramos Horta: A crise, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, mas também, e pior ainda, a pandemia na China e a política draconiana chinesa de lockdown de Xangai, cidade que tem o maior porto comercial do mundo [têm consequências]. Primeiro uma pandemia que começou em 2020 e afetou a economia mundial. Mas agora, com a pandemia instalada na China, e as medidas de contenção impostas pelo governo central chinês, significa quase a paralisia do porto de Xangai e paralisia de todo o transporte de contêineres de exportação e importação. Imagine: são centenas de bilhões de dólares de exportação da China para os Estados Unidos, centenas de bilhões de dólares de exportação dos Estados Unidos para China, da China para outros países do mundo. Imagina como essa política chinesa de contenção da Covid tem impacto mundial!

A guerra da Ucrânia se soma a tantas outras guerras, totalmente inexplicáveis, como a da Síria, que continua há mais de dez anos, o Yémen, a Líbia.

Enfim, o conflito permanente entre o Irã e Israel e Irã e os Estados Unidos. Isso tudo fragiliza a própria União Europeia (EU). A União Europeia tem muito boa vontade em relação ao Terceiro Mundo, e tem sido solidária. Mas eu pergunto quanto tempo a União Europeia pode aguentar? Com todas essas crises humanitárias do mundo. Falo da União Europeia porque é o maior doador mundial.

Toda a ordem internacional construída no pós-guerra, as alianças estão ameaçadas. Essa invasão da Ucrânia não tem razão de ser. A Rússia não devia ter invadido a Ucrânia, embora eu não concorde com política da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], portanto dos Estados Unidos e outros países, de teimarem em convidar mais membros para a Otan.

A Europa deveria ser um grande bastião de paz e de fraternidade. Não é com armas nucleares, não é com milhões de homens e mulheres em armas que a Europa vai ser grande. Mas, obviamente, a Europa tem muita desconfiança em relação à Rússia. A Rússia tem feridas profundas em relação à Otan, em relação à Europa. Há muitas suspeitas.

É uma situação que exige a melhor liderança possível, a melhor visão, a melhor inteligência possível da parte dos europeus e dos americanos, e da parte da Rússia. Os países grandes fazem as guerras e nós, países da periferia, também sofremos. E sofremos mais ainda que os países ricos e poderosos.

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Fonte: G1

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