"O aumento do consumo de alimentos ultraprocessados entre 2008 e 2017, embora não tenha sido muito grande, foi significativo. Esse aumento corrobora outras pesquisas que avaliaram compras das famĂlias brasileiras desde a década de 1980, mostrando que o aumento vem ocorrendo hĂĄ décadas", explicou a vice-coordenadora do NĂșcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e SaĂșde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), Maria Laura Louzada. A pesquisa avaliou os fatores sociodemogrĂĄficos associados ao consumo desse tipo de alimento e a evolução temporal do consumo no Brasil entre 2008 e 2018.
O estudo apontou ainda que pessoas do sexo feminino, adolescentes, pessoas brancas, com maior renda e escolaridade e moradores de ĂĄreas urbanas e das regiões Sul e Sudeste são as que mais consomem ultraprocessados. Outro dado mostrou que cerca de 20% das calorias consumidas pelos brasileiros vĂȘm de ultraprocessados.
No entanto, nos Ășltimos dez anos, os maiores aumentos no consumo foram vistos justamente entre aqueles que menos consomem: pessoas negras e indĂgenas, moradores da ĂĄrea rural e das regiões Norte e Nordeste, assim como grupos populacionais com menores nĂveis de escolaridade e renda.
A explicação para esse crescimento são as mudanças do sistema alimentar globalizado, caracterizadas principalmente pela crescente penetração das empresas desses alimentos no paĂs, segundo a a pesquisadora.
"Os alimentos ultraprocessados ??sempre foram promovidos e divulgados incessantemente com mensagens sedutoras que podem levar as pessoas a acreditar que são superiores aos pratos tradicionais como arroz e feijão e que farão as pessoas mais felizes. O aumento do seu consumo se dĂĄ por um conjunção de fatores, sendo eles, principalmente, redução dos preços relativos, ampliação de oferta nos mais diversos locais de compras, principalmente pela expansão das redes varejistas, deslocando a população dos locais de vendas de alimentos mais tradicionais, como sacolões e as feiras e a crescente penetração das indĂșstrias transnacionais em ĂĄreas mais remotas do paĂs."
A conclusão do estudo mostrou que o Brasil vive uma tendĂȘncia de padronização nacional e elevado no consumo de ultraprocessados, com consequente aumento de riscos à saĂșde da população.
"Pesquisas consistentes tĂȘm evidenciado a associação entre o alto consumo desses alimentos e o risco de obesidade e de diversas doenças crônicas não transmissĂveis como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e doenças gastrointestinais. Além disso, publicações recentes mostram que estão relacionados a danos ambientais sem precedentes, contribuindo com grande parte das emissões de gases de efeito estufa e causando desmatamento, degradação do solo e perda massiva de biodiversidade", alertou Maria Laura.
Na visão da pesquisadora, para reverter a tendĂȘncia, basta manter a alimentação tradicional brasileira. "Com sorte, ainda temos grande parte da nossa alimentação baseada em alimentos in natura ou minimamente processados e suas preparações culinĂĄrias. Ou seja, mesmo com o crescimento dos alimentos ultraprocessados, nosso arroz com feijão ainda os supera largamente", destacou.
"É uma grande janela de oportunidade para revertemos a tendĂȘncia negativa. Ou seja, não precisamos reinventar a roda, mas sim, fortalecer e resgatar o que fazemos hĂĄ muitas gerações: uma alimentação tradicional baseada em alimentos in natura ou minimamente processados. Mas, para isso, as polĂticas pĂșblicas são urgentes."
Segundo Maria Laura, que se dedica a estudar os efeitos do ultraprocessamento de alimentos nas condições de vida e saĂșde das populações, determinadas ações poderiam colaborar para diminuir o consumo elevado desse tipo de alimento.
"Para lidar com esse cenĂĄrio, são necessĂĄrias ações sistĂȘmicas e interconectadas para que as pessoas tenham acesso a uma alimentação saudĂĄvel: sobretaxação dos ultraprocessados, combinada com subsĂdios para alimentos in natura ou minimamente processados, restrição rigorosa da publicidade - especialmente, mas não só, para crianças - rotulagem frontal de alertas em alimentos; proibição da oferta desses alimentos em locais de interesse pĂșblico como escolas e hospitais, além de campanhas educativas em massa para pleitear o apoio das pessoas para implementação das ações", defendeu a pesquisadora.
Para realizar o estudo, os pesquisadores utilizaram dados do consumo alimentar de brasileiros e brasileiras maiores de 10 anos de idade das Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e EstatĂstica (IBGE) entre maio de 2008 e maio de 2009 e entre julho de 2017 e julho de 2018.
Fonte: AgĂȘncia Brasil