Rio Grande do Norte teve 2Âș maior aumento de estupros de vulnerĂĄveis

Por Rogerio Magno em 28/07/2024 às 17:00:18
Artigo 217-A do Código Penal proíbe conjunção carnal ou prática de qualquer outro ato libidinoso com menores de 14 anos| Foto: Alex Régis/ Tribuna do Norte

Artigo 217-A do Código Penal proíbe conjunção carnal ou prática de qualquer outro ato libidinoso com menores de 14 anos| Foto: Alex Régis/ Tribuna do Norte

O Rio Grande do Norte teve 1.242 casos de estupro em 2023, um aumento de 30,2% em relação ao ano anterior, quando foram contabilizados 954 registros. O crescimento é o segundo maior do PaĂ­s, atrĂĄs apenas de Rondônia, onde a alta foi de 59,4%. Dentro do recorte total, outro dado coloca o RN na segunda posição entre as unidades federativas com maior elevação: os estupros de vulnerĂĄvel aumentaram 36,9% de 2022 (com 707 casos) para 2023 (com 968). Neste recorte, Rondônia também assume a liderança no Brasil, com aumento de 64,6%. Em todo o PaĂ­s, os casos de estupro de vulnerĂĄvel cresceram 7,5% no ano passado.


Os dados são do 18Âș AnuĂĄrio Brasileiro de Segurança PĂșblica de 2024. O estupro de vulnerĂĄvel é um crime previsto no Artigo 217-A do Código Penal, que proĂ­be conjunção carnal ou prĂĄtica de qualquer outro ato libidinoso com menores de 14 anos, bem como com alguém que, por enfermidade ou deficiĂȘncia mental, não tem discernimento para o ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistĂȘncia.


Para o delegado Ricardo Eduardo, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Natal, os aumentos registrados pelo AnuĂĄrio podem estar associados a uma maior quantidade de notificações das violĂȘncias. Ele reforça, no entanto, que ainda existe muita subnotificação. "É sempre um desafio diagnosticar se hĂĄ um aumento real de casos de estupro ou se os casos estão sendo mais notificados", analisa.


"O que as pesquisas indicam, de todo modo, é que ainda hĂĄ uma subnotificação exacerbada, de modo que o perĂ­odo da pandemia/confinamento, por exemplo, contribuiu negativamente para um menor registro dos casos, uma vez que as vĂ­timas passaram mais tempo com seus agressores, que costumam estar dentro de casa, reduzindo o acesso das crianças e adolescentes às redes de apoio (escola, saĂșde, assistĂȘncia social, conselho tutelar e segurança pĂșblica)", completa o delegado.


Ele frisa a importância de polĂ­ticas pĂșblicas de prevenção e educação para reverter os Ă­ndices negativos. "Ainda hĂĄ certo tabu para se falar sobre o tema, mas os nĂșmeros revelam que nosso PaĂ­s tem uma cultura de violĂȘncia sexual histórica, sendo necessĂĄria ações estratégicas a nĂ­vel, sobretudo de educação, mas também de saĂșde, assistĂȘncia e segurança para que possamos prevenir e proteger a infância", aponta Ricardo Eduardo.


Para chegar aos nĂșmeros gerais, o AnuĂĄrio da Segurança PĂșblica divide os dados por casos de estupro e casos de estupro de vulnerĂĄvel. Considerando-se apenas o primeiro recorte, o RN também registrou alta no comparativo dos dois Ășltimos anos: enquanto em 2022 foram notificados 247 casos de estupro, no ano passado, o nĂșmero passou para 274, crescimento de 10,9%. O Ă­ndice também é superior à média do PaĂ­s, que sofreu variação de 5,5% no perĂ­odo.


Na contramão, alguns estados apresentaram redução nos registros. Foi o que ocorreu em Roraima, que diminuiu em 23% os casos de estupro (a maior redução do Brasil) e Rio Grande do Sul, que reduziu os estupros de vulnerĂĄveis em 6,3% entre 2022 e 2023. Em nĂșmeros absolutos, São Paulo apresentou mais casos de estupro (3.373), bem como de estupro de vulnerĂĄveis (11.141) no ano passado.

Tentativas de estupro também aumentaram

De acordo com os dados do 18Âș AnuĂĄrio Brasileiro de Segurança PĂșblica, as tentativas de estupro de vulnerĂĄvel cresceram 97,9% em 2023 no Rio Grande do Norte, a maior alta do PaĂ­s. Se em 2022 foram 48 tentativas, no ano passado, esse nĂșmero subiu para 95. O EspĂ­rito Santo e o Distrito Federal apresentaram redução – de -32,6% e 32,5%, respectivamente. No Brasil, também houve queda, de 3,4% (foram 4.899 tentativas em 2022 e 4.733 no ano passado).


O psicólogo João Costa, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia do RN (CRP-17/RN), explica que os nĂșmeros apresentados pelo AnuĂĄrio indicam que o Estado segue sem conseguir combater as diversas causas que envolvem o problema. "Um dos principais pontos é a violĂȘncia de gĂȘnero. Temos a prevalĂȘncia do machismo, da cultura patriarcal e uma ideia de supremacia do gĂȘnero masculino", explica Costa.


Os dados apontam que, dos 247 estupros registrados em 2022, 238 tiveram mulheres como vĂ­timas. JĂĄ no ano passado, elas foram 267 de um total de 274 vĂ­timas. João Costa, do CRP/RN, chama a atenção para os efeitos deste tipo de crime. "São traumas psicológicos profundos, como depressão, ansiedade e dificuldades de relacionamento. Também é comum que as vĂ­timas sintam vergonha e culpa, mesmo sabendo que não foram responsĂĄveis pelo ato. Além disso, a experiĂȘncia pode levar ao isolamento e essas pessoas acabam se afastando da famĂ­lia e dos amigos", esclarece o psicólogo.


Costa também defende que uma primeira abordagem para reverter o cenĂĄrio começa pela educação e conscientização da sociedade sobre a temĂĄtica. "A população precisa passar por uma processo de aprendizagem sobre o tema para reduzir o estigma em torno das vĂ­timas e encorajar a busca por ajuda", diz. A implementação de polĂ­ticas pĂșblicas, ele aponta, também precisa integrar os esforços para arrefecer este tipo de crime.


"A implementação de polĂ­ticas pĂșblicas é crucial para garantir que as vĂ­timas recebam o suporte necessĂĄrio e para que haja medidas preventivas em relação à violĂȘncia sexual. Neste ponto, o trabalho da Psicologia visa proporcionar condições para o fortalecimento da autoestima, o restabelecimento da proteção e da convivĂȘncia em condições dignas de vida e deve contribuir para superação da situação de violação de direitos, além da reparação da violĂȘncia sofrida", comenta o psicólogo.

Rede de apoio é necessĂĄria para prevenção

A criação de uma rede de apoio sólida também deve estar entre as ações para reduzir os casos de estupro no Estado e no PaĂ­s. O atendimento às vĂ­timas, de acordo com o psicólogo João Costa, envolve uma abordagem intersetorial e interdisciplinar. Mas não é só isso. "É importante, ainda, que a polĂ­tica de Estado garanta o atendimento aos autores de violĂȘncias para que se quebre o ciclo de produção de violações de direitos", alerta.


O delegado Ricardo Eduardo, da DPCA, ressalta que denunciar os abusos é fundamental para que a polĂ­cia atue de maneira eficaz contra estes casos. "As denĂșncias podem ser feitas nas delegacias, inclusive, de forma anônima. Em muitos casos a pessoa que deseja denunciar tem medo de sofrer represĂĄlias, motivo pelo qual vĂĄrios canais de atendimento podem ser utilizados de forma sigilosa, como o Disque 100 e o Disque 181", diz Eduardo.


"Importante registrar que a legislação determina que a notificação e a denĂșncia são obrigatórias, podendo responder criminalmente aqueles que tomam conhecimento da situação de abuso e não denunciam", acrescenta o delegado. Josiane Bezerra, secretĂĄria de PolĂ­ticas para Mulheres da Secretaria de Estado das Mulheres, Juventude, Igualdade Racial e Direitos (Semjidh), reforça que as denĂșncias são primordiais para que seja garantida proteção às vĂ­timas.


"Se identificadas violĂȘncias do tipo, a denĂșncia é indispensĂĄvel. É por meio dela que se consegue acionar o Conselho Tutelar, no caso de a vĂ­tima ser criança, e outros órgãos, para o combate desse tipo de violĂȘncia". A gestora reconhece que o aumento de casos é um desafio, mas afirma que tem havido esforços para reverter a escalada dos nĂșmeros. "Nós entendemos que é preciso fortalecer o que jĂĄ vem sendo feito no Rio Grande do Norte", declara Bezerra.


Ela ressalta que houve aumento das delegacias da Mulher e ampliação da atuação da Patrulha Maria da Penha. "Também tem havido expansão dos centros de AssistĂȘncia Social, além de casas de apoio para as vĂ­timas", discorre.


A secretĂĄria avalia que os aumentos registrados no RN são assustadores. Por isso, ressalta, é preciso investir em educação. "É necessĂĄrio uma sensibilização maior. Nos casos que envolvem crianças, elas precisam de algum responsĂĄvel, um coordenador pedagógico ou um diretor, que possa acionar todo o resto da rede de proteção", detalha Josiane Bezerra.

Fonte: Tribuna do Norte

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