Boicote da oposição a eleições na Venezuela é jogada arriscada

Por Rogerio Magno em 04/08/2020 às 06:06:52
Estratégia pavimenta caminho para chavistas retomarem controle da Assembleia Nacional, o último reduto opositor a Maduro. Assembleia Nacional da Venezuela, em foto de 15 de janeiro de 2019, quando aprovou declarar Nicolás Maduro 'usurpador da Presidência'

Manaure Quintero/Reuters

Os 27 partidos de oposição venezuelana finalmente uniram-se em torno de um compromisso: o de boicotar as eleições legislativas de 6 de dezembro. A decisão é arriscada e pavimenta o caminho para que os opositores percam o controle da Assembleia Nacional, a única instituição que ainda escapa do domínio do impopular regime de Nicolás Maduro.

Deixa numa situação ainda mais frágil o líder opositor, Juan Guaidó, que, embora reconhecido por mais de 50 países como presidente legítimo do país, não conseguiu assegurar internamente este status. Já não aglutina em torno de si multidões de descontentes com o regime. Com quarentena forçada pela pandemia, manifestantes se afastaram das ruas.

Concebido pelas quatro maiores forças políticas no Parlamento, o chamado G4, o boicote sinaliza também a falta de alternativas para a oposição venezuelana, diante das sucessivas investidas e violações cometidas pelo governo.

O poder público avança em seu objetivo de desarticular os partidos que formam a maioria opositora e, por consequência, retomar o controle da Assembleia Nacional.

Em golpes certeiros e desferidos nos últimos meses, o regime inviabilizou a ação de seus opositores. Maduro nomeou diretores do Conselho Nacional Eleitoral, atribuição do Parlamento. O Tribunal Supremo de Justiça interveio nos partidos de oposição, tornando ilegais suas diretrizes e nomeando para postos de comando figuras à sombra do chavismo.

Homem passa em frente a um mural com o rosto de Nicolás Maduro, em Caracas, na Venezuela, em foto de 22 de julho

AP Photo/Ariana Cubillos

Sem consultar o Parlamento, o CNE ampliou de 167 para 277 o número de deputados que podem ser eleitos nas eleições de dezembro. Eliminou também a votação secreta e direta para eleger deputados indígenas. Estes representantes serão escolhidos por um sistema de delegados, nos mesmos moldes já utilizados na controvertida eleição da Assembleia Nacional Constituinte, que opera sem a participação da oposição.

Na complexa realidade política do país, com dois presidentes e dois Legislativos, Guaidó tampouco é reconhecido pelo regime como chefe da Assembleia Nacional: por decisão do Supremo, dominado por chavistas, disputa o cargo com Luis Parra, dissidente opositor que aderiu ao governo.

O boicote eleitoral já foi adotado por opositores em 2005 e fortaleceu o chavismo durante um tempo. O desgaste político e econômico, contudo, teve como reflexo a vitória da oposição nas Legislativas de 2015. Desde então, sucessivas manobras do governo debilitaram a Assembleia Nacional e impossibilitaram sua ação.

Diretor do Centro de Estudos Políticos e Governamentais da Universidade Católica Andrés Bello, o cientista político Benigno Alarcón afirma que o pleito de dezembro levará a um processo de maior autocratização do país.

O efeito de uma eleição multipartidária e não competitiva é, no seu entender, a abstenção significativa. Uma pesquisa elaborada pela universidade e pela empresa Delphos reforça esta tese: apenas 46,6% dos venezuelanos se mostram dispostos a votar num pleito em que não se veem representados, sem a participação da oposição.

Fonte: G1

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