O desespero das meninas afegãs com proibição de escola secundária pelo Talibã

Por Rogerio Magno em 09/12/2021 às 10:01:12
A BBC ouve jovens sobre o impacto prejudicial da proibição de professoras e alunas em 13 províncias afegãs. Imagem de crianças estudando

Reuters/Via BBC

Meninas adolescentes no Afeganistão contaram à BBC sobre seu crescente desespero enquanto continuam sendo excluídas da escola mais de três meses após a tomada do Afeganistão pelo Talibã.

"Não poder estudar é como uma pena de morte", disse Meena, de 15 anos. Ela conta que ela e suas amigas se sentem perdidas e confusas desde o fechamento de sua escola no nordeste da província de Badakhshan.

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Reuters/Via BBC

"Não temos nada para fazer além do trabalho doméstico... estamos simplesmente congeladas em um lugar", disse Laila, de 16 anos, cuja escola na província de Takhar fechou no dia em que o Talibã tomou o poder em agosto.

Entrevistas da BBC com estudantes e diretores em 13 províncias mostram a frustração das meninas por ainda serem impedidas de frequentar a escola secundária, apesar das garantias do Talibã de que elas poderiam retomar seus estudos "o mais rápido possível".

Gráfico mostra frequências de presença de crianças na escola no Afeganisão

BBC

Professoras, quase todas sem pagamento desde junho, disseram que a situação estava afetando o bem-estar das meninas, com uma delas atribuindo o casamento infantil de três de suas alunas ao fechamento das escolas.

Uma diretora de Cabul, que mantém contato com suas alunas via Whatsapp, disse: "As alunas estão muito chateadas, estão sofrendo mentalmente. Tento dar esperança a elas, mas é difícil porque estão expostas a tanta tristeza e decepção".

As professoras também relataram uma queda preocupante na frequência de meninas nas escolas primárias, que foram autorizadas a retornar. Elas disseram que o aumento da pobreza e das preocupações com segurança levou as famílias a ficarem relutantes em mandar as meninas mais novas para a escola.

As autoridades evitaram anteriormente confirmar que se tratava de uma proibição total. No entanto, em uma entrevista à BBC, o vice-ministro da Educação em exercício, Abdul Hakim Hemat, confirmou que as meninas não teriam permissão para frequentar a escola secundária até que uma nova política educacional fosse aprovada no ano novo.

Algumas alunas continuam estudando em casa

Reuters/Via BBC

Apesar disso, algumas escolas para meninas foram reabertas após negociação com autoridades locais do Talibã.

Na cidade de Mazar-i-Sharif, no norte da província de Balkh, uma diretora escolar nos disse que não havia problemas e que as meninas frequentavam a escola normalmente.

Mas outra estudante na mesma cidade disse à BBC que um grupo de combatentes armados do Talibã estava se aproximando de meninas nas ruas, dizendo-lhes para se certificarem de que seus cabelos e bocas não estivessem visíveis. Como resultado, cerca de um terço de suas colegas de classe parou de ir à escola.

Mapa mostra em quais regiões do Afeganistão as escolas foram reabertas

BBC

"Ficamos com a vida na mão quando saímos de casa. As pessoas não sorriem. A situação não está calma. Estamos tremendo de medo", disse ela. O governo do Talibã ordenou que os meninos voltassem à escola secundária em setembro, mas não fez menção às meninas.

Diretoras de três províncias diferentes disseram à BBC que reabriram escolas e apenas um dia depois foram informadas por autoridades locais, sem explicação, que deveriam fechá-las. Garotas apareciam nos portões da escola todos os dias perguntando quando teriam permissão para voltar, disse uma delas.

Laila, que quer ser enfermeira parteira ou médica, diz que mantém o material escolar limpo e arrumado no quarto, não permitindo que ninguém toque nele, esperando o momento em que possa voltar a usá-lo.

"Quando vejo minhas roupas, livros, lenço e sapatos, todos novos simplesmente parados no meu armário sem serem usados, fico muito chateada. Nunca quis ficar sentada em casa", diz ela.

Meena quer ser cirurgiã, mas tem dúvidas se terá permissão para continuar seus estudos.

Ela se lembra de fazer fila no parquinho da escola e rir com as amigas, onde cantavam o hino nacional antes de ir para as aulas.

"Sempre que penso nesses momentos, fico chateada e sem esperança em relação ao nosso futuro", diz ela.

Hemat, o vice-ministro da Educação em exercício, disse que a situação atual é um atraso temporário enquanto o governo garante um "ambiente seguro" para as meninas irem à escola.

Ele enfatizou a necessidade de segregar as aulas para meninos e meninas, algo que já é comum em todo o Afeganistão.

Meninas e mulheres foram banidas de escolas e universidades durante o governo anterior do Talibã, de 1996 a 2001.

Os fechamentos deste ano já tiveram um efeito permanente na vida de algumas meninas, de acordo com o depoimento de uma diretora da província de Ghazni, no sudeste.

"Pelo menos três de nossas meninas de 15 anos ou menos se casaram desde que o Talibã assumiu", disse a professora, que temia que a mesma coisa acontecesse a outras meninas, pois suas famílias ficam frustradas por vê-las em casa "sem fazer nada".

A Unicef ??disse estar profundamente preocupada com relatos de que o casamento infantil está aumentando no Afeganistão.

Evolução da presença de meninas na escola no Afeganistão

BBC

Uma diretora na província central de Ghor disse à BBC que a questão do fechamento de escolas era irrelevante em comparação com os outros problemas que suas alunas enfrentam.

"Acho que muitas de nossas alunos vão morrer... Elas não têm comida suficiente para comer e não conseguem se manter aquecidas. Você não pode imaginar a pobreza", disse ela.

*Todos os nomes das entrevistadas foram alterados para proteger suas identidades.

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Fonte: G1

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