Vida na guerra: como está a rotina dos cidadãos ucranianos

Por Rogerio Magno em 15/03/2022 às 19:38:42
Nas últimas semanas, a intensa vida dos cidadãos que moravam na capital cosmopolita Kiev deu lugar a uma vida restrita a poucas saídas ao mercado. E empregos que não fazem mais sentido no momento deram espaço ao trabalho voluntário. Diário da Guerra: jovem ucraniana conta como os russos se aproximam da capital

"Eu já trabalhei como comissária de bordo, conheci muitas cidades, mas ainda assim Kiev sempre foi uma das minhas preferidas", disse a jovem ucraniana Maryna Krniienko, de 26 anos. Ela nasceu no leste da Ucrânia, na região de Donetsk, mas mora há dez anos na capital.

"Eu costumava sair para bares e restaurantes com amigos, fazia aulas de dança. Quase nunca estava em casa”, contou ela sobre a vida antes da guerra.

Nas últimas semanas, no entanto, suas poucas saídas do apartamento se restringem a idas ao supermercado.

Nos primeiros dias de guerra, Maryna e o namorado dormiam dentro do carro, na garagem do edifício onde moram, na capital da Ucrânia.

Arquivo pessoal

A jovem, que trabalha com atendimento ao consumidor na área de Tecnologia da Informação, morava sozinha, e resolveu ir para o apartamento do namorado — também em Kiev — ainda no primeiro dia de guerra.

Lá, ela disse que se sentia relativamente segura, até esta segunda-feira. "Hoje não tenho mais tanta certeza. Nesta manhã, acordamos com barulho de tiros e bombas", disse ela, que está em um apartamento na região sul da cidade.

"A maioria dos ataques vêm do norte de Kiev, então é menos provável que algo nos atinja. Mas nunca se sabe. Não existe lugar seguro na Ucrânia agora", comentou.

Nos primeiros dias de guerra, o casal dormia dentro do carro, no estacionamento do prédio — local considerado mais seguro, e que serve de abrigo quando a sirene de ataque é acionada na cidade. A garagem, agora, tem mesas, cadeiras, água e alimentos para os condôminos.

Natália Tuyagina e o marido trabalham em um grupo de dança típica ucraniana. Desde que a guerra começou, não há mais ensaios. Muitos membros do grupo, inclusive, já deixaram Kiev.

Arquivo pessoal

“Às vezes, quando a sirene toca, são 15 minutos. Às vezes, temos que ficar algumas horas. Nunca tem como saber”, contou. “Acho que o que eu mais sinto falta é ter meus amigos e minha família perto de mim e poder encontrá-los a hora que eu quiser.”

A dançarina Natália Tuyagina, de 26 anos, nasceu e morou na capital ucraniana durante toda a vida. Ela vive com o marido em um apartamento próximo ao centro da cidade, mas desde o início dos ataques, eles foram para a casa de campo da família, também em Kiev, mas numa região afastada, considerada mais segura.

"No início a gente fez uma mala pequena, só no caso de termos que passar uma noite no abrigo. Mas já no segundo dia vimos que precisávamos fazer uma mala maior, porque deixaríamos o apartamento", contou ela. "Faz duas semanas, mas parece muito mais."

Maryna Krniienko adorava estar com os amigos fora de casa. Agora, as poucas saídas do apartamento dela são restritas a idas ao mercado.

Arquivo pessoal

A vida de ensaios com o marido e o grupo de dança em que os dois trabalham, ficou para trás. Agora, eles preenchem o tempo cozinhando para a comunidade. “Eu faço pão e levo para os vizinhos. Sei que não é muito, mas é como consigo ajudar agora”, disse.

Para tentar aliviar a tensão, o marido aconselhou Natália a desligar as notificações do telefone nos últimos dias. "Eu acordava de hora em hora checando as notícias, estava ficando maluca", desabafa a ucraniana. A única notificação que ela não desativou é a de um aplicativo que avisa quando a sirene de ataque é acionada.

Durante a entrevista para esta reportagem, feita por videochamada, o celular dela apitou. Um ataque estava acontecendo, e era hora de ir para o abrigo. A conversa foi encerrada. Natália mandou mensagem algumas horas depois, avisando que tudo tinha ficado bem.

Vida fora da capital

A tradutora Anna Ivanenko agora passa os dias fazendo trabalho voluntário, cuidando da compra e envio de itens para os soldados ucranianos.

Arquivo pessoal

A tradutora de ucraniano-inglês Anna Ivanenko, de 38 anos, se mudou de Kiev para uma cidade próxima à Polônia durante os primeiros dias da guerra.

"As coisas que eu fazia antes não são importantes agora", contou ela, que deixou as traduções de lado para dar lugar a um trabalho voluntário para o exército ucraniano.

Anna passa o dia cuidando da logística da compra de itens de guerra para os soldados, com outras 20 pessoas. "A gente ajuda com itens importantes para eles, como coletes à prova de balas, capacetes e binóculos de visão noturna. Está difícil achar esses itens porque eles estão fora de estoque na Ucrânia", conta ela.

"Nós fazemos a compra no exterior e vemos como trazer para o país e quais são as unidades do exército que precisam mais para enviarmos.”

A tradutora nasceu em Zaporizhzhia, na região das usinas nucleares. A mãe dela, de 72 anos, ainda vive na cidade e atua como voluntária do exército ucraniano há oito anos — desde o início dos conflitos na região da Crimeia. O grupo em que a mãe atua costura redes de camuflagem para os soldados. O trabalho consiste em cortar pedaços de tecidos que são doados, e costurá-los em uma rede, que serve para camuflar os carros e os homens do exército.

Grupo de voluntários em Zaporizhzhia constrói redes de camuflagem para o exército ucraniano a partir de tecidos doados pela população.

Arquivo pessoal

"Até algumas semanas atrás, eram dez voluntários. Tinha dias que minha mãe passava o dia inteiro sozinha. Agora, são mais de 50", disse Anna, que tenta convencer a mãe à se mudar para perto da fronteira com ela, sem sucesso. "Ela me fala que Zaporizhzhia é o lar dela e é onde ela quer ficar e ajudar", contou. "Praticamente todos que eu conheço estão ou defendendo o país com os próprios braços, ou ajudando quem está fazendo isso."

Fonte: G1

Comunicar erro
Rede Ideal 1

Comentários

Telecab