Consumo de antidepressivos no RN cresce acima da média do Brasil

Em 2022, a venda de medicamentos estabilizadores de humor cresceu 47% entre os potiguares, em comparação com o ano de 2019; especialistas alertam para o uso excessivo destes remĂ©dios e dos potenciais danos à saĂșde, como a dependĂȘncia

Por Rogerio Magno em 13/03/2023 às 19:35:35
Consumo de antidepressivos tem alta expressiva no RN - Foto: Juliana Manzano/NOVO

Consumo de antidepressivos tem alta expressiva no RN - Foto: Juliana Manzano/NOVO

Desde o início da pandemia, ainda nos primeiros meses de 2020, a venda de medicamentos antidepressivos e estabilizadores de humor disparou em todo o país, e no Rio Grande do Norte, o aumento do consumo desses fĂĄrmacos chegou a 47% em 2022, ao se comparar com 2019, o último ano antes da crise sanitĂĄria global.

Os dados são do Conselho Federal de FarmĂĄcia (CFF) e mostram que os números do nosso estado estão acima da média nacional. No Brasil, o aumento do consumo em 2022 comparado a 2019 foi de 36%.

Em números absolutos, o Rio Grande do Norte consumiu, em 2019, 1,143 milhão de medicamentos antidepressivos e estabilizadores de humor. JĂĄ em 2022 ficou com 1,678 milhão, um acréscimo de mais de 535 mil medicamentos.

Especialistas alertam que o aumento no consumo desse tipo de medicamento vem acontecendo gradativamente e jĂĄ era notado antes mesmo da pandemia de covid-19. Ana Izabel Lima, doutora em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e conselheira titular do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Norte (CRP-RN), diz que "Se buscarmos nas estatísticas, veremos que o aumento progressivo de medicamentos não foi só de 2019 para cĂĄ. Com o passar do tempo estĂĄ acontecendo realmente um crescimento do consumo de medicamentos psicotrópicos, que mexem com o funcionamento do cérebro".

Ela cita alguns fatores que tĂȘm contribuído para essa demanda cada vez maior. "Não podemos considerar somente uma causa ou um fator predominante para esse aumento, mas acredito que a junção de diversos fatores, como por exemplo: o aumento na taxa de crimes contra a mulher, violĂȘncia contra a criança e o adolescente, além da desigualdade social colocando muitas famílias em um estado de vulnerabilidade gritante, e até o próprio acesso ao serviço de saúde mental, que de uns anos para cĂĄ estĂĄ definhando", explica a psicóloga Ana Izabel Lima.

Contudo, ela não deixa de destacar os impactos causados pela pandemia de Covid-19. "A gente teve que mudar completamente a nossa vida, a maneira de entender higiene e relacionamentos. A gente teve que ficar isolado por um tempo. Então a própria mudança, toda essa revolução que a pandemia proporcionou impacta e evidentemente se relaciona com esse aumento do consumo de medicamentos", diz Ana Lima.

O problema da automedicação

Apesar de os medicamentos serem vistos como uma solução para o sofrimento, eles também podem gerar preocupações, principalmente quando hĂĄ um aumento evidente de consumo, como no caso dos antidepressivos e estabilizadores de humor. O professor doutor Wogel Sanger Oliveira, que é farmacĂȘutico e psicólogo, fala sobre algumas dessas preocupações e aponta que esse aumento deve atrair a atenção das autoridades brasileiras, órgãos de vigilância e de todos os especialistas da ĂĄrea de saúde.

"Obviamente, essa circunstância da pandemia potencializou costumes e hĂĄbitos anteriormente estabelecidos, como o uso indiscriminado de medicamentos, a prĂĄtica da automedicação e o aumento das polifarmĂĄcias (que ocorre quando são usados rotineiramente e concomitantemente quatro ou mais medicamentos). Sabemos que existe uma grande cadeia de eventos que precisa ser rotineiramente observada. De um lado, temos as indústrias com toda a sua capacidade de produção e comercialização, a grande quantidade de estabelecimentos farmacĂȘuticos disponíveis e o maior rigor na dispensação e orientação correta do uso de medicamentos. Do outro lado, temos o cidadão que se encontra em uma condição de labilidade física, emocional e social sem precedentes", explica o professor Wogel Sanger Oliveira, que também é professor do curso de Medicina na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

Outro ponto abordado pelo professor Wogel Oliveira é o das possíveis reações adversas ao uso desses medicamentos. Ele explica que elas podem ocorrer mesmo com o uso correto do fĂĄrmaco. "Essa condição deve-se não somente ao efeito da substância em si, mas também à forma como cada organismo, com toda a sua individualidade, interage com esse determinado medicamento. É importante considerar que boa parte das respostas terapĂȘuticas no paciente são observadas, em média, após duas semanas. Alguns dos efeitos mais comuns são a alteração do sono, a alteração do movimento intestinal, o ganho de peso, a alteração da libido, a sudorese noturna e a movimentação mais lenta. Muitas dessas medidas podem ser contornadas mediante troca da prescrição médica ou ajustes de condutas sob orientação do profissional farmacĂȘutico", explica o professor Wogel Sanger Oliveira, que também fala sobre o uso de medicamentos em seu perfil no Instagram (@dr.wogelsanger).

DependĂȘncia química e danos à saúde

Outra grande questão abordada pelos especialistas ouvidos pelo NOVO é a dos danos causados pelo abuso no consumo de antidepressivos. A professora Ana Izabel Lima faz considerações sobre opções para evitar o uso de medicamentos e a consequente dependĂȘncia. "Existem medicamentos que tĂȘm essa interação tão forte que causam a dependĂȘncia química, psicológica e tudo mais. Então, uma grande via para a gente repensar essa questão do medicamento é investir em prĂĄticas de saúde mental para auxiliar a pessoa a lidar com as dificuldades que ela passa no dia a dia e entender que existem outras formas de cuidar da saúde mental além do uso de medicamentos", diz a psicóloga Ana Izabel Lima.

De acordo com a especialista, o grande desafio da sociedade atual é ampliar a visão sobre o tema e buscar outras formas de cuidado para as questões de saúde mental. Ela destacou a importância de entender que existem outras possibilidades de cuidado, como a busca por profissionais especializados em psicologia, terapia ocupacional e outras especialidades, além de atividades como cultura, lazer, exercícios físicos, interação social e formação de grupos e coletivos organizados. A especialista ressalta que a saúde mental deve ser analisado para além da patologia e do uso de medicamentos.

Fonte: Novo Noticias

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