Tragédia que matou família em Pipa expõe risco de acidentes com falésias

Por Rogério Magno em 22/11/2020 às 22:49:14
Família morreu soterrada na última terça-feira (17), em um dos principais destinos turísticos do Rio Grande do Norte. Morte de família após desabamento de falésia alerta para riscos e falta de fiscalização

A ligação com a natureza inspirou Hugo Pereira a uma mudança radical: largar um emprego numa grande empresa de telecomunicações em São Paulo e cair na estrada. Depois de rodar o Brasil numa Kombi com a cachorrinha Brisa, ele conheceu Stela Souza em Pipa, um dos principais destinos turísticos do Rio Grande do Norte. Casaram e tiveram um filho, Sol (veja no vídeo acima a reportagem exibida do Fantástico deste domingo).

"Sempre foi desde menino ligado à natureza, a animais, e tinha um coração maior que ele... Menino que vivia a vida, na aventura dele, né?", lembra Paulo Pereira, pai de Hugo.

Hugo trabalhava como gerente num hotel, em Pipa, e Stela, que era psicóloga, cuidava de Sol.

"Em janeiro que eu estaria aqui em Pipa pra conhecer o meu neto, né? (...) Ele a conheceu aqui em Pipa. Foi um encontro de almas gêmeas. E aí resolveram viver juntos e nasceu Sol... Era um menino alegre, sempre sorrindo... Como o Hugo", falou Paulo.

"A filosofia de vida deles era essa, né? A natureza, o mar, as plantas, sentir a areia, sentir o vento...", conta Mateus Souza, irmão de Stela.

Na última terça-feira (17), Hugo, a família e uma cadelinha curtiam a folga na praia quando parte de uma falésia de quase dois metros de altura despencou sobre eles.

Stella Souza, de 33 anos, Hugo Pereira, de 32, e o filho deles, Sol de Souza, de 7 meses, morreram em desabamento de falésia em Pipa

Redes Sociais

Família não tinha costume de frequentar praia onde falésia desabou em Pipa, diz irmão

Mãe tentou proteger o filho em desabamento de falésia em Pipa e morreu abraçada a ele, diz testemunha

Prefeitura sabia de risco de desabamento de falésias em Pipa

Homem que morreu com a família em desabamento no RN viajou com cadela de estimação de Kombi pelo país

Família foi enterrada nesta quarta-feira (18) em Pipa

O que se sabe e o que falta saber sobre o desabamento de falésia que matou família em Pipa

A área onde ocorreu a tragédia é uma das mais movimentadas da praia de Pipa. Além de o mar ser mais calmo, ideal para banho, é de onde saem os passeios de lancha. Na hora do acidente, por volta do meio-dia, tinha muita gente na praia. O sol estava forte e o casal se aproximou da falésia, procurando uma sombra pra se proteger do sol e proteger o bebê de sete meses. Algumas pessoas chegaram perto, avisaram sobre o risco de desabamento e o casal se afastou um pouco com o filho. Pouco depois, a estrutura desabou e atingiu os três.

"Vi na hora que um pedaço da barreira caiu e atingiu as três pessoas, os nativos daqui correram, começaram a cavar", lembra o barqueiro Jonas Emanuel.

"Foi uma coisa muito horrível. Eu vi uma cena muito triste (se emociona e chora) que foi a retirada da criança, muito triste", comenta o advogado Marcos Aurélio Faria.

A enfermeira Isamara da Silva conta que percebeu que o bebê ainda respirava e tentou reanimá-lo. "Fiz aquelas compressões e fiz a manobra de respiração boca a boca nele. Pelo menos oito vezes. Soprei ar pros pulmões dele, mas infelizmente a médica falou que não tinha mais jeito".

As falésias de Pipa chegam a receber mais de 7 mil turistas por dia, na alta estação. Estas formas de relevo desenhadas pela ação do mar podem ser encontradas em parte do litoral do país. No Sul, os rochedos de origem vulcânica se mostram mais resistentes, mas com níveis de instabilidade que precisam de cuidados. No Nordeste, os paredões sofrem mais com o impacto das marés e das ondas, e, portanto, os deslizamentos são mais frequentes.

Parte de falésia desaba em Pipa e deixa três vítimas

Sobre a ação do mar nas falésias, Rodrigo Guimarães, professor de gestão ambiental da UERN, aponta que "as ondas quebram e vão tirando o material da base, e, quando elas escavam, criam essas espécies de caverna, de cavidades". "Aí desestabiliza a frente da falésia, na área da parede da falésia, porque tira a sustentação", comenta.

Os moradores da região dizem que alertam os turistas sobre os riscos. "A gente sempre avisa o pessoal, pede pra se distanciar da barreira", reforça Jonas Emanuel.

A prefeitura de Tibau do Sul alega que havia colocado placas avisando para o perigo das falésias, mas que elas foram levadas pela maré. "O município se preocupou, colocou as placas indicando as áreas de risco e os nossos fiscais que ficam na praia orientaram a vítima que se retirasse daquele local, que era um local perigoso", disse o prefeito Modesto Macedo.

"Nunca a Prefeitura veio aqui pra fazer isso, botar nada aqui avisando que aqui é perigoso, né?", declarou o comerciante Joca Silva.

"Nunca vi placa nenhuma. Apenas, a gente mesmo que trabalha aqui quando via o pessoal próximo às falésias, a gente que ia lá pedir pro pessoal se afastar", reforça o também comerciante Miller Romualdo.

O jornalista Renato Pavarino Martins ficou chocado quando soube do acidente porque lembrou que também chegou a fugir do sol à sombra das falésias de Pipa este ano. "Eu, particularmente, não vi nenhuma placa alertando para os perigos de deslizamento. Se não fosse o pescador avisar, nós teríamos permanecido ali como outras pessoas permaneceram".

Ao caminhar pela faixa de areia é possível ver como o processo de erosão atinge a estrutura da falésia. Na parte de baixo o avanço da maré vai abrindo cavidades como essa. No topo, são rachaduras e blocos que ameaçam cair. As ações da natureza como a chuva e o vento são potencializadas pelas construções nas bordas das falésias.

"São ocupações de risco, e é risco para quem está lá em cima e o risco para quem está embaixo. E essas ocupações, elas potencializam, aceleram o processo de erosão e queda de blocos das falésias", explica o professor Rodrigo Guimarães.

Depois do acidente, a prefeitura decretou situação de emergência em Pipa. Dez lojas e restaurantes que ficam no topo das falésias foram interditados pela Defesa Civil.

Para o Ministério Público Federal, que abriu 18 inquéritos para apurar irregularidades nessas áreas ambientais, a tragédia estava anunciada. "Os estudos apontam para essa fragilidade, inclusive em outros locais na praia de Pipa e no município de Tibau do Sul, isso já identificado um risco R4, que é o maior risco dentro da escala em outras áreas onde a atuação do MPF já se desenvolveu", revela o procurador da República Victor Mariz.

Questionado se o Ministério Público já tinha feito alguma recomendação à Prefeitura sobre os riscos, o procurador disse que não havia "uma atuação específica pra esse local", mas reforçou que "é uma rotina da atuação cobrar o respeito das autoridades à legislação que protege o meio ambiente e impede que seja construída em bordas de falésias uma distância inferior a 100 metros".

Parte de falésia desaba e deixa 3 mortos de uma mesma família em Pipa

Arquivo pessoal

Pela Lei Federal de 2004, até a rua principal de Pipa e o cemitério da cidade, que fica na borda das falésias, estariam irregulares. O problema é que as construções são mais antigas que a lei.

"Essas construções mais antigas já são alvo de estudos geotécnicos, estudos paramétricos que atestam, que reconheçam se há segurança ou estabilidade da sua permanência. Os estudos estão sendo finalizados e, a partir deles, o MPF irá decidir, definir que medidas serão adotadas. Se existir segurança para que esses estabelecimentos permaneçam, o MP irá exigir medidas de compensação ambiental para que esses estabelecimentos possam ficar funcionando", relatou o procurador.

"O poder público não cuida da população, essas barreiras já vinham caindo há dias. Uma família morre por conta de uma barreira. Eu quero justiça, sim. Pelo menos para que outras famílias não passem o que estou passando", lamentou Sânzia Maria, mãe de Stela.

"A gente pode constatar que a natureza, ela cobra sua conta... Que décadas de expansão desordenada e com desrespeito à legislação ambiental acarretam não só o prejuízo ao meio ambiente, mas um prejuízo como consequência a vida e a integridade das pessoas", destacou o procurador Victor Mariz.

Emergência

A prefeitura de Tibau do Sul decretou situação de emergência na sexta-feira (20), após o desabamento. O decreto tem validade de 90 dias. De acordo com o documento, a área da praia foi afetada por um desastre natural geológico "por movimento de massa com deslizamento de solo/ou rocha".

O governo do Rio Grande do Norte anunciou na noite da quinta-feira (19) que vai criar uma força-tarefa para auxiliar o município de Tibau do Sul na fiscalização das áreas interditadas temporariamente nas falésias de Pipa. O Poder Executivo também garantiu instalar a estrutura para o isolamento da orla, no trecho do Centro de Pipa ate a Praia do Madeiro, no intuito de proteger banhistas e comerciantes. As faixas colocadas até agora, na parte de baixo da areia, acabam sendo levadas pela maré cheia e são recolocadas pelo município.

Farão parte da equipe que auxiliará na fiscalização da área agentes da força de segurança e de órgãos ambientais.

Na tarde de quinta (19), a equipe da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil esteve no trecho da falésia que desabou ao lado de equipes da Defesa Civil do RN e do Idema para vistoria do local.

Segundo o órgão nacional, a medida atual de interdição é a melhor alternativa a curto prazo. Outras atuações serão pensadas após estudo das áreas. O trecho foi interditado um dia após o acidente pela prefeitura de Tibau do Sul. A equipe coletou amostras das falésias para análises que podem ser usadas para decisões futuras no trecho. O geólogo explicou que qualquer medida de proteção a médio ou longo prazo na região depende de um estudo mais aprofundado.

Os trabalhos também são acompanhados pelo Ministério Público Federal.

Parte das falésias da praia de Pipa desabou sobre turistas nesta terça-feira (17).

Redes sociais

VÍDEOS: veja os mais vistos do G1 na última semana

Fonte: G1

Comunicar erro
Rede Ideal 1

Comentários

Telecab