Ensino do sexto ao nono ano exige mais atenção para evitar repetĂȘncia

Somente 52% dos estudantes brasileiros nascidos entre 2000 e 2005, que estão, atualmente, com idade entre 19 e 24 anos, conseguiram concluir o ensino fundamental no tempo certo e 41% deles finalizaram o ensino médio no período adequado.

Por Rogerio Magno em 18/03/2024 às 16:10:40

Somente 52% dos estudantes brasileiros nascidos entre 2000 e 2005, que estão, atualmente, com idade entre 19 e 24 anos, conseguiram concluir o ensino fundamental no tempo certo e 41% deles finalizaram o ensino médio no perĂ­odo adequado. O dado consta do levantamento inédito "Indicador de Regularidade de Trajetórias Educacionais", da Fundação ItaĂș. Ele evidencia que quase metade de crianças e jovens que hoje estão nessa faixa etĂĄria não concluĂ­ram os estudos de forma regular, tendo enfrentado, ao longo do ciclo, intercorrĂȘncias como abandono, evasão ou reprovação. O estudo foi realizado em parceria com os pesquisadores Chico Soares, Izabel Costa da Fonseca, Clarissa Guimarães e Maria Teresa Gonzaga Alves.

A superintendente do ItaĂș Social, Patricia Mota Guedes, explicou à AgĂȘncia Brasil que o levantamento traz o retrato da trajetória escolar de crianças e adolescentes nascidos entre 2000 e 2005 em um perĂ­odo longo, de 2007 a 2019. "E traz exatamente um problema: somente metade dos estudantes brasileiros, nesse perĂ­odo, concluĂ­ram o ensino fundamental na idade certa e com trajetória regular, sem ter passado por repetĂȘncia, reprovação e abandono escolar". Isso significa que quase metade deles chegou ao nono ano do ensino fundamental com trajetória irregular.

Na avaliação de Patricia Mota Guedes, o indicador expressa a gravidade do problema de trajetórias, de como é necessĂĄrio monitorar mais e melhor a qualidade da permanĂȘncia das crianças e adolescentes jĂĄ no ensino fundamental. "E mostra também um retrato das desigualdades, de como essa experiĂȘncia de repetĂȘncia, reprovação e abandono marca ainda mais determinados grupos sociais."

De acordo com o estudo, a trajetória regular entre estudantes negros (pretos + pardos) é cerca de 20% menor do que entre os brancos. Em relação aos indĂ­genas, esse percentual se situa em torno de 40%. Os dados mostram que estudantes brancos possuem um percentual de regularidade de 62%; pardos, 46%; pretos, 41%; e indĂ­genas, 23%.

PolĂ­ticas e programas

O estudo mostra a urgĂȘncia de o Brasil começar a construir polĂ­ticas e programas mais voltados para a etapa do ensino fundamental, onde a repetĂȘncia, reprovação e abandono começam a explodir. "São os anos finais do fundamental, do sexto ao nono ano. O estudo reforça a necessidade de a gente realmente começar a desenhar polĂ­ticas e programas historicamente, do sexto ao nono ano, o antigo ginĂĄsio, o que a gente chama dos anos finais do fundamental. Porque são uma etapa esquecida pelas polĂ­ticas e programas federal, estaduais e municipais."

A superintendente do ItaĂș Social argumentou essa é, porém, uma etapa decisiva porque é justamente onde tem o inĂ­cio da adolescĂȘncia; em que as crianças, aos 11, 12 anos, começam a entrar em uma fase onde vivem muitas transformações, muitas mudanças fĂ­sicas, emocionais, até do ponto de vista social, da convivĂȘncia. "E tudo isso muito misturado também porque, no Brasil, na maioria dos casos, quando a criança vai do quinto para o sexto ano, passa a ter mais professores, um currĂ­culo mais complexo. Os professores são especialistas que também não recebem uma formação de trabalhar com esses estudantes que estão no começo da adolescĂȘncia e que transitam entre infância e adolescĂȘncia", salientou Patricia. O mesmo acontece com as equipes gestoras escolares. Por isso, acentuou a importância de se pensar em escolas que sejam mais voltadas para essas adolescĂȘncias, com ĂȘnfase no começo dessa fase, do sexto ao nono ano do ensino fundamental.

Patricia argumentou que parte dos problemas de repetĂȘncia, reprovação e abandono no ensino fundamental estĂĄ enraizada na falta de um olhar especĂ­fico, de programas e de suporte, para que essas escolas possam melhorar a qualidade da experiĂȘncia desses adolescentes. Reconheceu que aqueles que sobrevivem no sistema educacional continuam para o ensino médio, onde também hĂĄ problemas de abandono e evasão. O esforço do estudo foi no sentido de mapear que o problema grave jĂĄ começa em uma etapa que não tem sido olhada com a devida atenção, afirmou.

Desigualdades

A pesquisa confirma o que jĂĄ se imaginava: que os grupos de raça, como os negros, estão sempre em desvantagem em relação aos brancos; as meninas, em geral, estudam mais que os meninos; e que hĂĄ desigualdades regionais.

Os estudantes com nĂ­vel socioeconômico mais alto apresentam trajetória escolar bem melhor do que os mais vulnerĂĄveis. Enquanto 69% dos alunos do primeiro grupo apresentam trajetórias regulares, só 38% daqueles de escolas mais carentes conseguiram iniciar e finalizar o ensino fundamental na idade correta.

De acordo com a pesquisa, a regularidade é um desafio ainda maior para estudantes do sexo masculino que estudam em escolas de baixo nĂ­vel socioeconômico, deficientes, negros e indĂ­genas. JĂĄ para as meninas, a qualidade da permanĂȘncia nas escolas é mais positiva. Por volta de 58% delas tĂȘm trajetórias de nove anos regulares, contra 46% entre os meninos. A diferença por sexo é acentuada em relação à categoria de muita irregularidade. Cerca de 7% das meninas tĂȘm trajetórias educacionais marcadas por muitas irregularidades, ao passo que esse percentual é de 14% para os meninos.

O estudo aponta que apenas 22% dos estudantes com deficiĂȘncia tĂȘm trajetória regular, entre 2011 e 2019, contra 53% dos sem deficiĂȘncia. Em torno de 56% deles apresentam percursos com muita irregularidade. A porcentagem de trajetórias com irregularidades também se destaca: cerca de 64% dos alunos com deficiĂȘncia concluem o ensino fundamental com intercorrĂȘncias e cerca de 14% evadem, enquanto para os sem deficiĂȘncia 37% possuem trajetórias irregulares e 10% são interrompidas.

Por regiões

Patricia Mota Guedes comentou que, em algumas regiões, são percebidos esforços no sentido de reverter a cultura de reprovação, de repetĂȘncia, mas ainda se tem isso no Brasil. "JĂĄ diminuiu muito; jĂĄ foi muito maior. O que a gente precisa são indicadores que consigam monitorar a evolução desses padrões. Apesar das diferenças regionais, quando se olha ao longo do tempo, vĂȘ-se uma estagnação na proporção de estudantes que não conseguem ter uma trajetória regular."

Ressaltou que é importante entender as diferenças regionais mas, também, entender que hĂĄ uma estagnação, em parte porque não se teve experiĂȘncias mais significativas de polĂ­ticas e programas voltados para os anos finais do ensino fundamental, embora, agora, jĂĄ se comece a ver, desde o ano passado para cĂĄ, mais discussão entre as redes municipais e redes estaduais, um maior interesse sobre o assunto da parte, inclusive, do governo federal, e algumas oportunidades, por exemplo, no campo da expansão da educação integral.

Patricia analisou que se o paĂ­s estĂĄ caminhando para um processo de ampliação da jornada escolar e se esse esforço for voltado para desenvolver escolas atraentes para os adolescentes e que apoiem os professores, os gestores escolares, sobre como trabalhar, esse é um ponto positivo. Defendeu que devem ser dadas condições para que professores e gestores possam desenvolver trabalhos efetivos que acolham esses estudantes, com currĂ­culos dinâmicos, diferentes articulações, inclusive fora da escola, espaços de interesse, de arte, de cultura, de esporte na cidade, de projetos que mobilizem o protagonismo dos adolescentes. "Esse aprendizado, o "mão na massa", que é tão importante na fase de inĂ­cio da adolescĂȘncia; assim, a gente vai conseguir avançar". O segredo, segundo Patricia, é olhar para o problema, mas não para ficar paralisado; e, sim, entender que é preciso monitorar ao longo do tempo e começar a pensar em estratégias mais intencionais, para essa etapa do sexto ao nono ano, em que questões de repetĂȘncia, exclusão e abandono se intensificam.

Dados

Os municĂ­pios do Norte, Nordeste e Sul retratam circunstâncias distintas em relação ao Sudeste. Na região Sudeste, os municĂ­pios paulistas apresentam uma média de estudantes com trajetórias regulares de 62%. JĂĄ em Minas Gerais, a média é 66% em relação ao nĂșmero de estudantes com trajetórias regulares, superior à média do Brasil.

Na região Sul, o estado do ParanĂĄ possui as maiores proporções de trajetórias regulares, acima de 70%, e o Rio Grande do Sul, na extensão sulgrandense (também conhecida como Serras de Sudeste), evidencia média de 40% de trajetórias educacionais regulares.

Na região Centro-Oeste, observam-se ĂĄreas com médias mais altas de estudantes com trajetórias regulares, especialmente no Distrito Federal (57%) e no Mato Grosso (70%). Na região Nordeste, o CearĂĄ se destaca como o estado com os melhores resultados na regularidade do percurso educacional, com 65% de média. Na região Norte, grande parte das cidades apresenta média de trajetória regular abaixo de 40% na jornada de nove anos. O ParĂĄ, por exemplo, tem 81% dos seus 144 municĂ­pios com um percentual abaixo de 40%.

Proposta

A proposta da Fundação ItaĂș com esse levantamento é que o indicador possa ser utilizado com frequĂȘncia. Patricia destacou que a pesquisa se baseia no Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnĂ­sio Teixeira (Inep), do governo federal. "A gente tem condições, enquanto paĂ­s, de monitorar a evolução desses dados. E, também, porque ele traz um retrato que, muitas vezes, somente o Índice de Desenvolvimento da Educação BĂĄsica (Ideb) não consegue dar. Esse Ă­ndice traz desempenho de lĂ­ngua portuguesa e matemĂĄtica e fluxo escolar de dois em dois anos. Mas é uma fotografia no final do ciclo e não acompanha a trajetória. DaĂ­, muitos adolescentes ficam para trĂĄs e o desafio que eles vivem sequer é ilustrado na fotografia do Ideb. Eles não aparecem. O acompanhamento da trajetória é muito importante", assegurou a superintendente do ItaĂș Social.

Na avaliação da Fundação ItaĂș, os dados levantados pelo "Indicador de Regularidade de Trajetórias Educacionais" podem ser utilizados para incentivar também o debate sobre o novo Plano Nacional de Educação do decĂȘnio 2024-2034.

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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