Qual a extensão da presença de Estado Islâmico e Al-Qaeda no Afeganistão �- e qual sua relação com Talibã

Por Rogerio Magno em 30/08/2021 às 11:18:58
Após os ataques nas imediações do aeroporto de Cabul, muitos se perguntam se os grupos extremistas vão voltar a prosperar no país. Crise no Afeganistão: veja a angústia no aeroporto em Cabul e a rotina de quem tenta escapar do controle do Talibã

Os ataques a bomba nos arredores do aeroporto de Cabul na quinta-feira (26) alimentaram os temores de muita gente de que o Afeganistão se torne mais uma vez um terreno fértil para o extremismo.

As potências ocidentais correram para retirar seus cidadãos do país diante da ameaça de um ataque iminente, que acabou sendo executado e matou pelo menos 90 pessoas.

Os ataques a bomba nos arredores do aeroporto de Cabul na quinta-feira (26/08) alimentaram os temores de muita gente: de que o Afeganistão se torne mais uma vez um terreno fértil para o extremismo.

Getty Images/Via BBC

Um braço do grupo extremista autodenominado Estado Islâmico, chamado Estado Islâmico Khorasan, assumiu a autoria do ataque — e os Estados Unidos responderam com ataque de drones que teriam matado ao menos três membros do Estado Islâmico, entre eles o responsável por planejar o atentado.

ISIS-K: braço do Estado Islâmico no Afeganistão é suspeito de ser responsável por ataque em Cabul

Desde a chegada do Talibã ao poder, a comunidade internacional tem sob escrutínio tanto o Estado Islâmico quanto a Al-Qaeda, dois grupos enfraquecidos, mas que buscam se fortalecer após o colapso do governo afegão e a retirada das tropas ocidentais do país.

O Talibã nega que o país possa se tornar um santuário para terroristas, mas alguns especialistas têm dúvidas.

O Talibã prometeu ficar longe da Al-Qaeda, mas especialistas dizem que o grupo pode ter poder nos bastidores

Getty Images/Via BBC

"Não estou seguro do valor dessas palavras porque ouvimos as mesmas declarações nos anos 1990", afirma à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, Bruce Hoffman, pesquisador chefe de luta contra o terrorismo e segurança nacional no Conselho de Relações Exteriores de Nova York, nos Estados Unidos.

Entre 1996 e 2001, sob o domínio do Talibã, a Al-Qaeda prosperou no Afeganistão e orquestrou ataques em todo o mundo. Agora, a preocupação é que o grupo recupere o poder à sombra do governo do Talibã, seus aliados.

Os confrontos entre o Estado Islâmico e o governo do Afeganistão se sucederam nos últimos anos

Getty Images/Via BBC

O Estado Islâmico, por sua vez, quer se fortalecer novamente após sua derrota na Síria e no Iraque e a queda de seu autoproclamado califado. Esta organização é inimiga tanto do Ocidente, quanto do Talibã e da Al-Qaeda.

Mas afinal, atualmente, qual a extensão da presença da Al-Qaeda e do Estado Islâmico no Afeganistão? E como é a relação deles com o Talibã?

Estado Islâmico Khorasan

O Estado Islâmico Khorasan é afiliado ao grupo original que controlava grandes áreas na Síria e no Iraque.

Esta facção surgiu em 2015, no leste do Afeganistão, no auge da organização — e é um inimigo jurado tanto do Talibã quanto da Al-Qaeda.

O Estado Islâmico é inimigo tanto da Al-Qaeda quanto do Talibã — e organizou vários ataques no Afeganistão nos últimos anos

Getty Images/Via BBC

"Eles se odeiam, são concorrentes, embora tenham ideologias semelhantes. Eles se atacaram durante meses. Este grupo considera que os talibãs são traidores por negociarem com os americanos", explica à BBC News Mundo Michele Groppi, pesquisadora sobre a ordem mundial da Universidade King's College London, no Reino Unido.

No comunicado em que assumiram a responsabilidade pelo ataque na quinta-feira, eles acusaram o Talibã de "colaborar" com as forças americanas para retirar "espiões" do país.

De acordo com Frank Gardner, correspondente para assuntos de Segurança da BBC, o Estado Islâmico Khorasan é o mais extremo e violento de todos os grupos militantes jihadistas que atuam no Afeganistão.

A Organização das Nações Unidas (ONU) observa que, apesar das perdas financeiras e territoriais, o Estado Islâmico continua sendo uma ameaça para o país e a região.

O Talibã assinou em fevereiro de 2020 um acordo de paz com os Estados Unidos, presidido na época por Donald Trump

Getty Images/Via BBC

"Ele está tentando manter sua relevância, reconstruir suas hierarquias, recrutar e treinar seguidores, potencialmente desertores do Talibã que rejeitaram o processo de paz", diz o relatório da ONU.

Estima-se que o Estado Islâmico Khorasan tenha entre 1,5 mil e 2,2 mil combatentes espalhados por várias células, com maior presença nas províncias de Kunar e Nangarhar, no nordeste do país.

Em seu auge, chegou a contar com mais de 3 mil combatentes, mas sofreu baixas significativas em confrontos com as forças de segurança dos EUA e do Afeganistão, assim como contra o Talibã.

O grupo recruta tanto jihadistas afegãos quanto paquistaneses, sobretudo membros desertores do Talibã afegão que não consideram sua própria organização "radical o suficiente".

A morte de Osama Bin Laden em 2011 foi um momento chave na 'guerra ao terror', travada pelos Estados Unidos e pelo Ocidente no Afeganistão

Getty Images/Via BBC

Fontes de inteligência atribuíram ao grupo algumas das piores atrocidades ocorridas no Afeganistão nos últimos anos, incluindo ataques contra escolas de meninas, hospitais e até mesmo uma maternidade, em que teriam matado a tiros mulheres grávidas e enfermeiras.

Enquanto o Talibã insiste que seu objetivo não vai além do que acontece no Afeganistão, o Estado Islâmico mostrou uma postura mais expansionista e dura contra o Ocidente e as Nações Unidas.

"O Khorasan tem uma visão muito diferente de como o Afeganistão deve funcionar. Eles são ainda mais ferozes do que o Talibã", explica Groppi.

Al-Qaeda

De acordo com um relatório recente da ONU, a Al-Qaeda está presente em pelo menos 15 províncias afegãs, principalmente nas regiões leste, sul e sudeste do país.

"É uma presença significativa. Eles estão em praticamente metade do território, desde antes mesmo da queda de Cabul", contextualiza Hoffman.

"No total, estima-se que a Al-Qaeda tenha entre 400 e 600 combatentes, mas imagino que esses números cresçam após a vitória do Talibã", acrescenta à BBC News Mundo Colin Clarke, pesquisador e analista de segurança do Soufan Center em Nova York, nos EUA.

Em 29 de fevereiro de 2020, os Estados Unidos, sob a gestão de Donald Trump, assinaram um acordo com o Talibã em Doha, no Catar, em que foi definido um cronograma para a retirada de suas tropas e aliados após quase 20 anos de conflito.

Em troca, Washington obteve a promessa de que o Talibã não permitiria "que nenhum de seus membros, ou outros indivíduos ou grupos, incluindo a Al-Qaeda, usem o território afegão para ameaçar a segurança dos Estados Unidos e de seus aliados".

A invasão do Afeganistão foi parte da "guerra ao terror" declarada pelo ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush após os ataques de 11 de setembro de 2001.

O Afeganistão do Talibã era uma das bases da Al-Qaeda — e a inteligência dos Estados Unidos localizava ali e no vizinho Paquistão o principal quartel-general de seu líder, Osama Bin Laden.

As Nações Unidas garantem que o Talibã e a Al-Qaeda continuam alinhados. Na verdade, afirmam que o vínculo se aprofundou como resultado de casamentos e laços tribais.

Especialistas acreditam que o Talibã e a Al-Qaeda manterão uma postura de distanciamento e discrição até que o primeiro atinja seus objetivos de controle do país.

O Talibã nega e reafirma que respeita os pontos do acordo de Doha e não tem vínculos com a organização.

"O Talibã prometeu impedi-los de atacar os EUA e o Ocidente, mas isso não significa que eles não usem o Afeganistão para desestabilizar a Ásia ou talvez provocar tensões nucleares entre a Índia e o Paquistão", adverte Hoffman.

"Me preocupa que, com o Talibã, os extremistas estarão melhor posicionados para orquestrar ataques por meio de suas facções em outros países, como a Síria e o Iêmen", acrescenta o especialista.

Por outro lado, acadêmicos advertem que o consórcio Talibã-Al-Qaeda pode ser reforçado na luta contra o Estado Islâmico, seu inimigo comum.

A Al-Qaeda surgiu entre as redes de jihadistas que lutaram no Afeganistão contra a invasão soviética na década de 1980.

Seu objetivo final é estabelecer um califado. A estratégia do grupo é lançar ataques de alto impacto contra o Ocidente, como o das Torres Gêmeas em Nova York em 2001.

O Estado Islâmico surgiu, por sua vez, entre alguns remanescentes da Al-Qaeda no Iraque, mas eles romperam relações em 2014.

O grupo também liderou ataques contra o Ocidente e atentados sectários brutais no Oriente Médio e na Ásia.

Diferentemente da Al-Qaeda, o Estado Islâmico está buscando ativamente a expansão e conquista territorial.

Ambas as organizações rivalizam pelo domínio do movimento jihadista global.

O que pode acontecer no futuro?

O que vai acontecer a médio e longo prazo é uma incógnita. Mas é claro que o desafio à segurança começa em breve, acelerado pelo ataque ao aeroporto de Cabul poucos dias antes de 31 de agosto, prazo final para a retirada das potências estrangeiras do país.

Sistema de defesa americano intercepta cinco foguetes lançados contra aeroporto de Cabul

O Talibã prometeu ficar longe da Al-Qaeda e se concentrar na reorganização de seu país.

No entanto, conforme o grupo recuperava terreno nas últimas semanas, afegãos denunciaram execuções de soldados e punições a mulheres.

Muitos optaram por fugir do país por medo de que se repita o que aconteceu na década de 1990, quando o Talibã governou o Afeganistão sob um regime estrito baseado na sharia (lei islâmica).

Hoffman acredita que a Al-Qaeda não fará parte do novo governo, mas pode ter poder nos bastidores.

No entanto, Groppi prevê que se "o Talibã não conseguir o que deseja: reconhecimento internacional, fundos e segurança para governar o Afeganistão, pode convidar abertamente a Al-Qaeda".

Por outro lado, muitos analistas, como Colin Clarke, esperam que a ascensão do Talibã ao poder provoque um fluxo de novos recrutas tanto para este grupo quanto para a Al-Qaeda e Estado Islâmico Khorasan.

"Não vamos esquecer também que os EUA podem usar o Talibã para combater o Estado Islâmico. No curto prazo, esses dois grupos continuarão a lutar um contra o outro. No longo prazo, tudo dependerá da dinâmica interna e dos jogos internacionais", avalia Groppi.

Biden diz que novo ataque ao aeroporto de Cabul é 'muito provável'

Ataque com drones matou dois membros do Estado Islâmico e deixou um terceiro ferido no Afeganistão, diz exército dos EUA

Estado Islâmico-Khorasan: conheça o grupo extremista rival do Talibã que espalha terror no Afeganistão

Veja os vídeos mais assistidos do G1

Fonte: G1

Comunicar erro
Rede Ideal 1

Comentários

Telecab