Especialistas e entidades apontam o que muda para municípios e cidadãos com a reforma tributária

Por Rogerio Magno em 25/01/2024 às 06:48:03
Luciano Santos avalia que a distribuição de recursos aos municípios terá mais transparência - Foto: Adriano Abreu

Luciano Santos avalia que a distribuição de recursos aos municípios terá mais transparência - Foto: Adriano Abreu

Uma das mudanças mais significativas no sistema tributário brasileiro, a reforma tributária ainda deixa dúvidas e questionamentos sobre regulamentação e formas de aplicação na prática nas novas formas de se cobrar imposto no Brasil. Mas, na prática, o que muda para os 27 estados e 5.568 municípios brasileiros com a reforma tributária? Especialistas, tributaristas e pesquisadores em economia e políticas públicas apontam fatores como transparência, repasses proporcionais aos municípios e suas populações, aumento na arrecadação e consequentemente, melhorias em serviços e infraestrutura pública para os cidadãos.

Entre as principais mudanças estabelecidas pela PEC 45/2019, está o fato de que a tributação será feita no local do consumo e não necessariamente no local de produção. Atualmente, parte do Imposto Sobre Serviços (ISS) é tributado na origem, gerando renda apenas naquele local. No novo modelo, que é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), os impostos não são cumulativos ao longo da cadeia de produção de um item.

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em nota, disse que a adoção do princípio do destino no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de forma que o imposto passa a ser devido onde está a população e não onde está a empresa. "Isso retira a possibilidade de um único Município oferecer uma alíquota insignificante a um setor que opera nacionalmente e passe a concentrar a arrecadação do Brasil, fato comum no sistema atual", apontou.

Em Jandaíra, cidade localizada no Mato Grande do Rio Grande do Norte, com cerca de 6,5 mil habitantes, o secretário de Tributação Antonioni Almeida estima que o grande ganho da reforma será o fato de municípios com populações semelhantes tendo arrecadações proporcionais.

"A reforma vai ser positiva porque vai conseguir acabar com essa desigualdade do pacto federativo. Hoje temos municípios que têm nove mil habitantes e um que tem mil e o mesmo repasse federal. É uma desigualdade enorme cuidar dessa quantidade de pessoas com a mesma quantidade de dinheiro. A reforma ajusta isso porque teremos o número de habitantes na cidade, com o índice", analisa.

Para o diretor institucional do Comitê Nacional de Secretarios Estaduais de Fazenda (Comsefaz), André Horta, esse é "ganho estrutural fabuloso" da reforma tributária, uma vez que haverá redistribuição de recursos.

"Hoje a distribuição da cota parte do ICMS é algo em torno de 3/4 que vai para o município que tem o maior valor agregado, ou seja, aquele que teve mais negócios. Isso é injusto. Por exemplo, o governador vai escolher onde vai ficar indústria X. Vai ficar em município Y ou Z. Se ele escolhe Y, a indústria vai aumentar o valor agregado daquele município, que ganha empregos e renda, a indústria e ainda o FPM, porque hoje é proporcional ao valor agregado. Com a reforma, o índice principal é população. Haverá uma equalização fiscal, ficando mais proporcional, sendo um redutor de desigualdades", acrescenta.

A reforma, no entanto, é vista com preocupação para outros municípios potiguares. É o caso de Guamaré, apontado por um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) como o município mais rico do Estado no quesito per capita. Localizada na Costa Branca do Estado e tendo um dos principais PIBs per capita do RN em função de ser uma das principais cidades fontes de energias renováveis do Estado e pela indústria de petróleo e gás, Guamaré seria uma das cidades que não teriam ganhos acima da inflação caso fosse feita uma transição de 20 anos, segundo outro levantamento da CNM.

"Pelo impacto que temos aqui em estudos nossos, teremos um percentual de 95% do que recebemos de ICMS. Pelo impacto que vemos hoje, temos preocupação de como o município vai continuar com os serviços que temos hoje, de educação, saúde. Temos hospital, UPA. Em Guamaré a população não precisa de plano, porque tudo é bancado pelo município", aponta o secretário de Tributação e Finanças de Guamaré, Mayron Silveira.

Femurn: haverá mais transparência no recebimento e na aplicação dos tributos

Luciano Santos avalia que a distribuição de recursos aos municípios terá mais transparência

O presidente da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn), Luciano Santos, avalia que os municípios conseguirão ter mais transparência no recebimento e na aplicação dos tributos.

"A reforma terá uma transição de 50 anos, de forma segura, e com a nova aplicação dos impostos centraliza para a União essa arrecadação e a distribuição fica mais transparente. É o nosso entendimento", aponta.

"Na prática, os municípios vão fazer parte, assim como hoje temos o FPM, alguns impostos vão fazer parte do bolo de distribuição constitucional dos municípios. Sabemos que essa transição vai ter um tempo para que esteja de forma segura e concreta nos cofres municipais. É esse o temor que temos em relação aos municípios menores, porque os maiores poderão usar sua força política para mudar o atual entendimento", acrescenta.

O advogado Igor Medeiros, presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados, seção Rio Grande do Norte, afirma que o novo regime é positivo em razão da simplificação da tributação e da maior segurança jurídica. "Essa simplificação e essa maior segurança jurídica vão ser sentidas realmente a partir de 2032, porque tem um período de adaptação. No momento, as prefeituras ainda têm muitas incertezas de como vão ser impactadas", afirma Igor Medeiros.

A reforma tributária, diz o advogado, traz um susto muito grande porque é desconhecida. Segundo analisa, as prefeituras de cidades menores têm uma administração tributária muito incipiente. "A maioria delas não cobram ISS, não cobram IPTU, porque é uma medida anti-eleitoreira. Ela não cobra quase nada. Ela vive do FPM, que é o Fundo de Participação de Municípios, e dos repasses. Ela quase não tem arrecadação própria", analisa o advogado.

Já as prefeituras maiores, explica, como Natal, Fortaleza e João Pessoa, já têm uma administração tributária mais robusta. "Elas já têm uma arrecadação com o ISS maior, que será o que em tese ela perderia. Mas se ela destinar, a sua máquina de administração tributária para fiscalizar determinados tributos, ela vai ter serviço para seus auditores fiscais em larga escala. Mas, o que a gente tem são administrações tributárias ainda muito precárias", analisa.

Ele ressalta que a questão dos municípios, particularmente, vai passar por muitas discussões, nos próximos anos, quanto à sustentabilidade financeira. "Vamos ter uma discussão sobre se poderíamos ter tantos municípios emancipados no Brasil, se eles são autossustentáveis? Será que é possível a gente custear tantas câmaras municipais, tantas prefeituras, tantas secretarias? Essa discussão que teve há uns quatro, cinco anos, vai precisar voltar a acontecer", comenta o presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/RN.

Custo de produtos e serviços pode encarecer pós-reforma

Na análise do advogado Igor Medeiros, presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados, seção Rio Grande do Norte, o cidadão vai sentir impacto em alguns produtos e serviços que provavelmente terão aumento de preço. "Ou haverá aumento de preço ou o fornecedor do produto ou serviço vai achatar a sua margem de lucro, podendo até quebrar", afirma o advogado. A indústria de cadeia longa será beneficiada, mas o setor de Serviços pode ter custos encarecidos.

"Hoje, uma empresa de prestação de serviço, se estiver no lucro presumido, paga de contribuições, 3,65% de PIS-Cofins e mais 5% de ISS, no total, paga 8,65% e, com a areforma, ele vai passar a pagar aproximadamente 20%", analisa.

Segundo ele, regras que podem impactar de forma positiva para o cidadão – a alíquota zero para a cesta básica e o cashback – ainda dependem de regulamentação. "Não se sabe como é que vão ser selecionadas essas famílias, quais famílias serão inseridas, se são apenas as que já estão inscritas em programas sociais ou se são famílias que estão isentas do Imposto de Renda, que em 2024 são aquelas que ganham menos de dois salários mínimos. E essa regulamentação pode mudar várias questões que estão em aberto. Podem ter direcionamentos que a gente não espera", comenta.

Nessa quarta-feira (24), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou a importância de a regulamentação da reforma tributária sobre o consumo ocorra em 2024, o que vai possibilitar que o calendário de transição previsto seja cumprido. O chefe da equipe econômica pediu que os grupos de trabalho que atuarão na regulamentação procurem elaborar textos próximos do ideal para facilitar o trabalho dos relatores no Congresso Nacional.

Fonte: Tribuna do Norte

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