Dia do Leitor: falta de acessibilidade Ă© desafio para formar leitores

O Brasil conta com 100,1 milhões de leitores, em um universo de mais de 200 milhões de habitantes, e esse grupo vem diminuindo com o passar do tempo. De acordo com a

Por Rogério Magno em 07/01/2021 às 07:48:51

O Brasil conta com 100,1 milhões de leitores, em um universo de mais de 200 milhões de habitantes, e esse grupo vem diminuindo com o passar do tempo. De acordo com a Ășltima edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, feita com dados de 2019, registrou-se uma diferença de 4,6 milhões de pessoas em relação a 2015.

Os resultados da pesquisa, elaborada pelo Instituto Pró Livro e o ItaĂș Cultural, lembram alguns dos entraves para se manter o hĂĄbito de leitura no paĂ­s, que voltam à tona em datas como a comemorada hoje (7), Dia do Leitor. A celebração é uma homenagem à fundação do jornal cearense O Povo, que foi criado em 7 de janeiro de 1928, pelo poeta e jornalista Demócrito Rocha.

Além do valor dos livros, que os tornam artigo de luxo para os mais pobres, e da correria do dia a dia, que acaba dificultando o hĂĄbito da leitura, ainda faltam recursos de acessibilidade. Tal lacuna também é percebida em um dos formatos mais queridos dos brasileiros: os gibis ou as histórias em quadrinhos. Juntos, eles representam uma parcela significativa de material de leitura com que o brasileiro tem contato todos os dias ou pelo menos uma vez por semana, conforme revela a pesquisa Retratos da leitura no Brasil.

A pesquisa mais recente do Instituto Pró-Livro e ItaĂș Cultural também mostrou que 2% dos entrevistados classificados como não leitores de livros informaram que a razão pela qual não leram nos Ășltimos trĂȘs meses foi porque tĂȘm problemas de saĂșde/visão. Entre os entrevistados qualificados como leitores, a pergunta não foi aplicada.

Pesquisa

Os obstĂĄculos de se traduzir histórias em quadrinhos para pessoas com deficiĂȘncia visual foi o enfoque dado pelo pesquisador Victor Caparica à sua tese de doutorado, desenvolvida na Universidade Estadual Paulista JĂșlio de Mesquita Filho (Unesp). O trabalho venceu o PrĂȘmio Unesp de Teses na categoria Sociedades Plurais.

Caparica perdeu, primeiro, a visão de um olho apenas, tornando-se o que se chama de monocular, até que, uma década depois, acabou ficando sem enxergar de modo absoluto. Ele integra a parcela de 3,6% da população brasileira que tem deficiĂȘncia visual. Conforme menciona o Instituto Brasileiro de Geografia e EstatĂ­stica (IBGE), na Pesquisa Nacional de SaĂșde, 16% das pessoas com esse tipo de deficiĂȘncia apresentam um grau muito severo, que os impede de realizar atividades habituais, como ir à escola, trabalhar e brincar.

Segundo Caparica, a audiodescrição não é algo semelhante à tradução, mas consiste, "categoricamente", em traduzir. Isso significa que implica o mesmo grau de percalços e questionamentos de outros tipos de tradução, como a literĂĄria. O processo que se configura é "a transposição de um enunciado de uma perspectiva visual (que uma pessoa com deficiĂȘncia visual não pode avaliar) para uma perspectiva não-visual".

"Não hĂĄ nenhuma diferença qualitativa ou quantitativa observĂĄvel entre a tradução de uma pessoa que traduz um poema de um idioma para outro e uma audiodescrição, são os mesmos desafios, a mesma atividade, são as mesmas competĂȘncias que se espera do profissional", diz.

"Inclusive, na ĂĄrea de letras, é relativamente conhecido o termo da tradução intersemiótica e eu uso bastante essa expressão na pesquisa, que é justamente quando vocĂȘ estĂĄ traduzindo um enunciado de uma forma de construção de sentido, que a gente chama de semiose, de uma semiose pra outra. Então, é de uma forma de construir significados pra outra forma de construir significado."

Em seu trabalho acadĂȘmico, Caparica pontua que aproveitar a simples sucessão de quadros não seria o suficiente para uma narração, reflexão que fez a partir de sua dupla experiĂȘncia, como leitor de histórias em quadrinhos visual e como consumidor do produto audiodescrito. E foi nesse sentido que desejou contribuir.

O pesquisador argumenta, ainda, que "a audiodescrição exige a cooperação entre um audiodescritor que enxerga e um consultor que não enxerga". Por isso, para desenvolver sua tese, a companheira de Caparica, LetĂ­cia Mazzoncini Ferreira, formou-se como audiodescritora para colaborar com o projeto.

"Quem consome a audiodescrição não pode produzi-la, quem precisa, seu pĂșblico-alvo. E quem a produz não é seu pĂșblico-alvo. Isso cria uma lacuna, um abismo comunicacional que precisa ser suplantado. É necessĂĄrio que se construa uma ponte por cima desse precipĂ­cio que separa o pĂșblico da produção", diz.

"Eu ainda consigo cumprir, como profissional, uma série de papéis da audiodescrição, por uma coincidĂȘncia de elementos da minha formação pessoal e profissional, acabei acumulando algumas competĂȘncias mĂșltiplas na ĂĄrea de audiodescrição. Além de ser consultor e produtor de conteĂșdo audiodescrito, sou também locutor profissional e também faço a parte de edição e mixagem de ĂĄudio. Então, trĂȘs quartos do trabalho com a produção de audiodescrição eu, como pĂșblico-alvo, consigo estar lĂĄ e fazer, mas esse um quarto que falta é o papel mais importante de todos, que é o de audiodescritor, que faz efetivamente a tradução", emenda.

Audiodescrição pelo mundo

Caparica destaca, em sua tese, trĂȘs localidades que considera avançadas, em termos de audiodescrição: os Estados Unidos, o Reino Unido e a Espanha. No território estadunidense, por exemplo, o rĂĄdio foi fundamental para a difusão desse tipo de técnica, que começou pelo teatro, com peças sendo transmitidas por diversas estações.

"Costumo dizer que a audiodescrição começou com o rĂĄdio. AĂ­, vocĂȘ vai dizer: radionovela. A radionovela não é o caso, porque jĂĄ foi concebida para ser ĂĄudio, mas as locuções esportivas no rĂĄdio, não. O primeiro caso de audiodescrição profissional que vocĂȘ vai encontrar são os locutores futebolĂ­sticos, que faziam audiodescrição em tempo real do que estava acontecendo no estĂĄdio. Sem dĂșvida, o rĂĄdio teve, em muitos lugares, uma relação muito próxima com a audiodescrição e é ainda subutilizado nesse sentido. Se considerar a estrutura de pessoas que tem um radinho FM em casa e, mesmo quem não tem, quanto custa um hoje? Tem uma facilidade de estrutura e de se transmitir esse conteĂșdo de forma acessĂ­vel e com tanta facilidade por essa mĂ­dia, acho que é muito subutilizada pelo que poderia ser, hoje, no século 21", pontua Caparica.

Enquanto nos Estados Unidos hĂĄ uma lei federal que fortalece a consolidação do recurso, no Brasil, avalia ele, "a prĂĄtica é incipiente".

O que falta, afirma, é a robustez e a estabilidade de polĂ­ticas pĂșblicas. Caparica afirma que a audiodescrição no paĂ­s ainda precisa ser aprimorada, embora não esteja "estagnada" e que a capacitação profissional deve, necessariamente, contemplar demandas especĂ­ficas do idioma.

"Não existe, nunca existiu no Brasil uma polĂ­tica nacional para pessoa com deficiĂȘncia. PolĂ­tica nacional não é projeto de governo, porque isso, esse partido faz e o próximo desfaz. PolĂ­tica nacional é como se teve, por exemplo, a de alfabetização no Brasil. Foi um projeto que foi abraçado e nenhum governo que veio depois achou que fazia sentido desfazer. "

Por isso, toda iniciativa é sempre individual, pontual, é sempre quem consegue fazer alguma coisa e, dentro dessas possibilidades, dessa limitação, o que o Brasil conseguiu fazer foi produzir audiodescrição no começo desse século só, colocando a gente com certo atraso na coisa. A gente demorou muito para regulamentar a profissão de audiodescritor. Um curso de audiodescritor ainda não tem nenhuma regulamentação, então é feito de maneira muito informal. Os melhores, inevitavelmente, vão replicar o modelo de cursos do exterior jĂĄ consagrados", finaliza.

Retrato da leitura e o gosto por quadrinhos

Para obter os dados apresentados no levantamento do Instituto Pró Livro e do ItaĂș Cultural, equipes percorreram 208 municĂ­pios, entre outubro de 2019 a janeiro de 2020. Ao todo, 8.076 pessoas foram consultadas, sendo divididas entre leitores, que são aqueles que leram um livro integral ou parcialmente nos Ășltimos trĂȘs meses, e não leitores, classificação que designa aqueles que declararam não ter lido nenhum livro nos Ășltimos 3 meses, mesmo que tenha lido nos Ășltimos 12 meses.

A simpatia pela Turma da Mônica fica evidente nas respostas. Os gibis foram uma das 37 obras mais citadas. Além disso, MaurĂ­cio de Sousa, criador dos personagens do gibi, também figura entre os autores mais lembrados e adorados.

Também se observa que, entre estudantes, a proporção de gibis e histórias em quadrinhos é maior (16%) do que a registrada entre não estudantes (8%). A média nacional é de 8%.

Pode-se imaginar também que, ao estar na universidade, os jovens acabem abandonando os gibis e quadrinhos, mas acontece exatamente o oposto. Ao todo, 14% dos entrevistados com esse nĂ­vel de escolaridade declararam que os leem, contra 13% das crianças que cursam o fundamental I (1Âș a 4Âș série ou 1Âș ao 5Âș ano), 12% dos que estão no ensino fundamental II (5Âș a 8Âș série ou 6Âș ao 9Âș ano) e 8% dos alunos do ensino médio.

Em relação à faixa etĂĄria, observa-se que os grupos que mais folheiam gibis e histórias em quadrinhos são pessoas com 5 a 10 anos de idade (22%) e de 11 a 13 anos (21%). As que manifestam menos interesse são idosos com 60 anos ou mais (1%), com 50 a 59 (7%) e 30 a 39 (8%).

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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