Pentágono cometeu erros que levaram Talibã a tomar o controle do Afeganistão; saiba quais

Por Rogerio Magno em 16/08/2021 às 16:40:37
Departamento de Defesa dos EUA cometeu erros de cálculo que, segundo especialistas, dificultaram uma reação do exército afegão contra a investida Talibã. Combatentes do Talibã assumem o controle do palácio presidencial afegão em Cabul, capital do Afeganistão, após o presidente Ashraf Ghani fugir do país em 15 de agosto de 2021

Zabi Karimi/AP

O colapso do exército afegão que permitiu aos combatentes talibãs assumir o controle de Cabul mostrou os erros cometidos durante 20 anos pelo governo dos Estados Unidos no Afeganistão:

Escolha incorreta do equipamento entregue aos afegãos

Expectativa errada sobre o número de combatentes aliados

Planos traçados de maneira frágil

Falta de salário ao exército da Afeganistão

'É improvável moderação do Talibã e aproximação com outros países', diz Oliver Stuenkel

Veja abaixo em detalhes quais foram esses erros:

1. Equipamento incorreto

Imagem de veículo das forças de segurança do governo do Afeganistão perto de Kandahar, em 13 de agosto de 2021

Sidiqullah Khan/AP

Washington gastou US$ 83 bilhões em esforços para criar um exército moderno que refletisse as suas tropas.

Em termos práticos, isso significou uma enorme dependência do apoio aéreo e uma rede de comunicação de alta tecnologia em um país onde apenas 30% da população pode contar com um fornecimento de energia elétrica confiável.

Aviões, helicópteros, drones, veículos blindados, óculos de visão noturna: o governo dos Estados Unidos não economizou em gastos para equipar o exército do país asiático. Recentemente chegou a fornecer aos afegãos os últimos helicópteros de ataque Black Hawk.

Mas os afegãos, incluindo muitos jovens analfabetos em um país que carece de infraestrutura para equipamentos militares de última geração, não conseguiram implementar uma resistência séria contra um inimigo menos equipado e aparentemente superado em números.

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Suas capacidades foram superestimadas, de acordo com John Sopko, o inspetor geral especial dos Estados Unidos para a reconstrução do Afeganistão (SIGAR).

O exército americano "sabia como era ruim o exército afegão", destacou.

O relatório mais recente de seu gabinete ao Congresso, apresentado na semana passada, afirma que os "sistemas avançados de armas, veículos e logística utilizados pelos militares ocidentais estavam além das capacidades da força afegã, em grande parte analfabeta e sem instrução".

2. Números exagerados

Soldado do exército afegão faz guarda em local onde ocorreu ataque suicida perto de uma academia militar em Cabul, no Afeganistão, em 2020

Rahmat Gul/ AP

Durante meses, os funcionários do Pentágono insistiram na vantagem numérica das forças afegãs, de 300.000 integrantes entre exército e polícia, sobre os talibãs, avaliados em 70.000.

Mas os números do exército estavam exagerados, segundo o Centro de Luta contra o Terrorismo da Academia Militar de West Point, Nova York.

Em julho de 2020, segundo a estimativa de West Point, os 300.000 incluíam apenas 185.000 soldados do exército ou forças de operações especiais sob o controle do ministério da Defesa, enquanto a polícia e outra força de segurança constituíam o restante.

E apenas 60% das tropas afegãs eram combatentes treinados, segundo os analistas de West Point.

Uma estimativa mais precisa da força de combate do exército, sem contar os 8.000 oficiais da Força Aérea, é de 96.000, concluíram.

O relatório SIGAR aponta que as deserções sempre foram um problema.

O documento indica que até 2020 o exército afegão teve que substituir 25% de sua força a cada ano, em grande parte devido às deserções, e os soldados americanos que trabalhavam com os afegãos afirmaram que a taxa era "normal".

3. Planos frágeis

População do Afeganistão atravessa uma barreira de segurança ao cruzar a fronteira, em Chaman, Paquistão.

ASSOCIATED PRESS

As autoridades americanas prometeram reiteradamente que continuariam apoiando o exército afegão depois de 31 de agosto, a data anunciada para a conclusão da retirada das tropas americanas, mas nunca explicaram como isso aconteceria do ponto de vista logístico.

Durante sua última visita a Cabul, em maio, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, mencionou a possibilidade de ajudar os afegãos a manter sua força aérea à distância, por meio do que chamou de logística "além do horizonte".

O conceito vago implicaria treinamentos através da plataforma Zoom. O método parece um tanto ilusório, dada a falta de computadores, smartphones ou boas conexões Wi-Fi dos afegãos.

Ronald Neumann, ex-embaixador dos Estados Unidos em Cabul, afirmou que o exército americano deveria ter "levado mais tempo" para a retirada.

O acordo alcançado entre o governo do então presidente Donald Trump e os talibãs considerava uma retirada completa das forças estrangeiras em 1º de maio.

O sucessor de Trump, Joe Biden, adiou a data, originalmente para 11 de setembro, antes de mudar novamente para 21 de agosto.

Mas também decidiu retirar todos os cidadãos americanos do país, incluindo os terceirizados que têm um papel chave no apoio à logística americana no Afeganistão.

"Construímos uma força aérea que dependia de terceirizados para a manutenção e depois retiramos os terceirizados", declarou Neumann à rádio pública NPR

4. Nem salários nem alimentos

Membros do Talibã em Cabul, no Afeganistão, em 16 de agosto de 2021

Reuters

Ainda pior, o Pentágono pagou durante anos os salários do exército afegão. Mas desde que o exército americano anunciou sua retirada em abril, a responsabilidade dos pagamentos passou ao governo de Cabul.

Muitos soldados afegãos reclamaram nas redes sociais que não receberam salário durante meses e, em muitos casos, suas unidades não recebiam mais alimentos ou suprimentos, incluindo munições.

A rápida retirada americana representou o golpe final.

"Ao sair e retirar nossa cobertura aérea, abalamos o exército e a moral dos afegãos", disse Neumann.

Fonte: G1

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