'Ver bunkers na TV causa ansiedade', diz brasileiro na Ucrânia

Por Rogerio Magno em 31/01/2022 às 22:02:39
Brasileiros que vivem na Ucrânia relatam que clima no dia a dia ainda não é 'de guerra', mas demonstram preocupações com o futuro próximo diante de escalada de tensões com a Rússia. José Eduardo Melo chegou na Ucrânia há 4 anos e meio e atualmente mora em Odessa

Arquivo pessoal/BBC

Enquanto a escalada do conflito entre Ucrânia e Rússia cria uma situação de alarme que domina os noticiários internacionais pelo mundo, brasileiros que vivem em território ucraniano entrevistados pela BBC News Brasil relatam um dia a dia ainda calmo, mas com temores pelo futuro próximo.

Por um lado, contam que há uma certa tranquilidade tanto entre a população local quanto da parte do governo, que emite comunicados afirmando que não há motivo para pânico e que as autoridades têm a situação sob controle.

Por outro, demonstram temor com o histórico de confrontação que já dura quase uma década — o novo capítulo de disputas entre os países foi iniciado pela possível entrada da Ucrânia na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), hipótese não aceita pelo governo russo.

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A tensão é ainda maior do que no último pico do atrito em 2014, quando a Rússia invadiu a Crimeia, uma península autônoma no sul da Ucrânia, e anexou o território. Embora o governo russo negue a intenção de invadir novamente territórios ucranianos, as tropas de Vladimir Putin estão posicionadas em lugares estratégicos.

Para o empresário José Eduardo Melo, 33, a melhor opção no momento foi comprar uma passagem só de ida para o Brasil, deixando seu apartamento novo e o escritório recém-reformado em Odessa, cidade próxima ao Mar Negro onde ele e sua esposa, Anna, administram uma empresa de intercâmbio para quem quer trabalhar fora do país.

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Eles possuem três filiais da empresa no Brasil, e com a incerteza causada pelo conflito decidiram adiantar a viagem que fariam nos meses seguintes.

"Não acho que algo como uma grande guerra acontecerá, mas penso que um conflito como o que ocorreu na época da anexação da Crimeia é possível. Tenho um pouco de receio, mas não há nada que eu possa fazer além de pensar na nossa segurança. Dessa vez, meus sogros vão com a gente para o Brasil", conta.

José Eduardo Melo e sua esposa Anna K. Mykolaivna

Arquivo pessoal/BBC

Apesar das notícias constantes sobre o conflito, ele conta notar que as pessoas na cidade continuam a vida normalmente, e não há clima de guerra.

"Ainda assim, para mim, dá uma certa ansiedade ver reportagens que mostram onde ficam os bunkers mais próximos, caso a população precise", diz ele, explicando que já existe uma lista do que se poderia ou não levar para essas estruturas feitas para resistir a projéteis de guerra, embora não lembre dos itens.

Na cidade onde moram, a língua mais falada é o russo, e José conta perceber uma afinidade de grande parte da população com o governo de Putin.

"Não dá para generalizar, mas percebo que os mais velhos, como os avós da minha esposa, que viveram na União Soviética, têm uma visão muito positiva dessa época. Se 'tudo' voltasse a ser Rússia, de forma pacifica, eles ficariam felizes. Ainda assim, se mostraram desapontados pela escalada do conflito."

Ainda sem passagem de volta, José espera que as tensões diminuam logo. "Queremos poder curtir o próximo verão, que é muito bonito por aqui, na nossa casa nova, sem preocupações."

"O medo não faz parte do dia a dia, mas temos que nos preparar caso algo aconteça"

Mesmo a quase 500 quilômetros de distância da cidade de Odessa, Fernanda Krupin, 29, moradora de Kiev, capital da Ucrânia, descreve uma sensação semelhante.

Ela chegou ao país depois de começar um relacionamento com seu atual marido, um ucraniano que conheceu quando ele trabalhava em São Paulo por alguns meses.

Com a chegada da pandemia, a empresa encerrou o projeto do qual ele participava e o casal precisou decidir qual seria o próximo passo.

"Escolhemos vir para Kiev, capital da Ucrânia, por ele ter mais oportunidades profissionais aqui. Já estou há um ano e meio, consegui um emprego em uma empresa de tecnologia e estou aperfeiçoando a língua", conta.

Fernanda Krupin durante celebração da Independência da Ucrânia

Arquivo pessoal/BBC

A brasileira diz ter considerado o conflito desde a primeira vez que pensou em ir para a Ucrânia, já que ele existe desde 2014.

"Vim com isso em mente, mas me sinto mais segura por estar mais longe da fronteira com a Rússia, que fica ao leste da Ucrânia. Não é tão próximo daqui e na prática, ao menos por enquanto, acaba não afetando nosso dia a dia."

Ela procura, por meio de sua página Latina na Ucrânia, no Instagram, mostrar belezas e atividades que a capital oferece — uma visão pouco conhecida pelos brasileiros.

O que a deixa mais ansiosa não são as conversas dos conhecidos ucranianos, mas as mensagens de parentes brasileiros preocupados.

"Tento tranquilizá-los. Brinco com a minha mãe que ainda não estou indo trabalhar de tanque. Não há exércitos na rua nem nada do tipo."

Ela e o marido, no entanto, não descartam a possibilidade de um conflito.

"Temos que nos preparar e começar a pensar em um plano 'B'. Por enquanto só deixamos uma mala com dinheiro e documentos em um local de fácil acesso. Meu maior medo é que o Mykyta, que tem 35 anos, seja recrutado para lutar em caso de guerra. Além disso, se precisar sair daqui, não sei o que eu faria com seus dois cachorros, que são grandes e por isso, mais difíceis de serem transportados."

Por medo do conflito, alguns brasileiros já cancelaram viagens

Apesar da iminência de uma guerra agora ser considerada por especialistas a mais forte dos últimos tempos, a ucraniana Olena Vladyka, 25, relata que não sente muita diferença dos dias atuais para outros anos da história do conflito — exceto pela mudança nos seus negócios.

Olena se tornou fluente em português após escolher o idioma como sua segunda língua quando cursava Letras na Nacional Universidade Linguística de Kiev.

Olena trabalhando como intérprete em curso de odontologia de professor brasileiro para grupo de ucranianos

Arquivo pessoal/BBC

Trabalhando como intérprete de russo e ucraniano, guia de passeios turísticos e auxiliar em buscas genealógicas para aqueles com descendentes no país, o maior público da jovem é o brasileiro.

"Para quem mora aqui, eu acho que nada mudou. A situação é igual a que começou oito anos trás, e seguimos indo para o trabalho, para escola, cuidando das tarefas diárias. Mas para aqueles que olham de fora, eu percebo que há muita preocupação", diz.

No Instagram da agência de Olena, Amigo em Kyiv, as perguntas dos brasileiros não focam mais nos destinos turísticos ou preços dos serviços.

"Eles questionam como está a situação e até se ainda temos comida, o que realmente não falta. Alguns tours que eu faria em abril e em maio já foram cancelados por conta desse medo."

'Sempre considerei o risco, mas estar com a minha esposa é mais importante'

Morando na mesma cidade que José, João Timóteo de Oliveira, 56, diz já ter ouvido que por estar próximo ao porto, Odessa poderia ser um dos locais de ataque. Apesar disso, ele garante que ninguém na cidade parece estar preocupado com a possibilidade.

João Timóteo e a esposa Natasha

Arquivo pessoal/BBC

Ele mora na Ucrânia há seis meses e se mudou para o país após se apaixonar por Natasha, uma ucraniana, pela internet. Já aposentado por ter trabalhado na indústria petroquímica, o que garantiu a ele uma aposentadoria especial, decidiu se juntar a ela, com quem se casou.

"Eu sempre soube do fator de risco, mas em um momento como esse, acabei pensando na felicidade da minha esposa. Eu tenho que estar do lado dela, principalmente se a situação for de risco", diz João.

Mesmo estando há poucos meses no país, ele conta que se impressiona com a beleza da cidade e com a facilidade com que se adaptou à rotina.

"Eu vivo como faria no Brasil. Tenho passeado e estudando o idioma, uma rotina normal. Até mesmo o povo, que imaginei ser mais frio, depois que você conhece mais de perto, são muito amigáveis e até parecidos com os brasileiros".

"Eu vou ao supermercado para comprar pão todos os dias e observo que não falta nada e ninguém faz estoque de comida. A sensação não é a de que uma guerra está prestes a acontecer."

Nos canais oficiais do governo, o brasileiro afirma que a mensagem passada pelas autoridades sempre procura transmitir paz.

"Dizem que o ataque não é tão iminente, que a Ucrânia está preparada e que a população não deve entrar em pânico. Claro que cada pessoa reage de uma forma diferente", afirma.

"Entre os brasileiros, há alguns com plano de fuga, com medo, e outros tranquilos. Ouvimos falar de alguns abrigos na capital, possíveis alarmes de sirene, esse tipo de coisa. Não é que uma invasão irá ocorrer, mas é aquela coisa, é melhor estar preparado."

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Fonte: G1

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